BONDADE
 
A manha de domingo estava linda, céu azul, sol ameno de princípio de primavera, sem camisa, apenas de tênis e short, eu fazia um leve aquecimento, alguns exercícios de alongamento na praça próxima a minha residência. Logo a minha frente, num banco um kimono japonês preto de Ju-Jitsu recebia o calor do sol para perder um pouco do cheiro do suor do dia a dia. De repente um jovem de 20 anos aproximadamente, aparência humilde, mas bem forte e disposto, para e passa a observar o kimono como quem observa uma jóia rara em uma loja de departamentos. Fiquei imaginando o que se passava na cabeça do jovem e fui em sua direção perguntando-lhe:
- Gostou?
O jovem parecia ter levado um susto e meio sem graça humildemente desculpou-se.
- Ele é lindo, nunca tinha visto assim tão bonito.
Me explicou que praticava a luta em uma academia comunitária lá na comunidade carente onde morava. Usava um velho kimono que recebeu de presente do seu professor, já rasgado e que um dia teria um igualzinho aquele ali que via em sua frente.
Naquela hora muita coisa passou por minha cabeça, quando criança eu tinha tido uma infância muito pobre, olhávamos a TV do vizinho, sequer tinha brinquedo e minhas maiores diversões mesmo era o futebol no meio da rua e as “viagens” que fazia com meu pai, de ônibus, do distante bairro onde morava até o centro da cidade. De tudo que passei para chegar aonde cheguei, pois que, mesmo sem ser rico, não tenho do que reclamar financeiramente. Numa mistura de emoção, agradecimento e generosidade, olhei para o rapaz e disse:
- Pegue ele para você.
Inicialmente o rapaz não acreditou, ficou lá parado olhando incrédulo para mim, como que surdo me perguntou:
- o que o senhor disse?
- Vamos rapaz pegue esse ki mono para você.
Num rompante o rapaz, ao mesmo tempo em que sorria se despia apressadamente e vestiu o kimono como quem abre a porta do banheiro desesperadamente pelos motivos que todos sabemos. A cena era tocante, meus olhos marejados igualmente ao do jovem, ele dava gargalhadas ao mesmo tempo em que me agradecia. Eu nada disse e apenas me afastei, indo para minha casa, mas ainda deu para ouvir os gritos e o tumulto que se iniciava, muito provavelmente em razão do dono do ki mono ter chegado e não ter gostado nadinha de ter visto um desconhecido vestindo seu lindo e precioso kimono. Quanto será que custa um kimono daqueles hem? rssssss