Delegados há de todos os tipos.Tem os irreverentes que brincam com os sentimentos do preso;os ferrabrases para quem todos são culpados até prova em contrário;os desligados que ,enquanto tomam o depoimento deixam sua larga imaginação pular de galho em galho e acabam,ouvindo,mas,não percebendo o que foi dito;há os remanescentes da Inquisição que preferem discorrer para o assustado delinqüente tudo o que pode lhe ocorrer nas prisões do governo,tintin por tintin. 

O desta nossa estória era um benemérito. 
Sujeito muito religioso,quase um carola,paternal,conciliador,preferia fazer verdadeiros sermões aos candidatos a preso,orientando-os,persuadindo-os a trilhar o caminho do bem. 
O preso acabava quase chorando,jurando com a mão sobre a bíblia,prometendo nunca mais errar.Só não ficava parecendo uma confissão católica,com direito a confessionário e tudo,porque nem sempre ele dizia: 
-Vá em paz e que o Senhor lhe acompanhe. 
Num plantão de domingo,em Copacabana,um homem desesperado invadiu sua sala,aos prantos,com cara de quem perdeu a noite,um leve bafo de cachaça. 
_Doutor,vou me desgraçar,doutor.Depois de ficar na campana vi minha esposa entrar num elevador com dois homens,ela de biquíni,rindo muito e abraçada pelo mais velho dos dois. 
E,soluçando,passando a mão nos cabelos em desalinho, falando quase engasgado,disse: 
-Eu bem que desconfiava.Vou matá-la,doutor e depois me entrego. 
O delegado encarou o desesperado com um ar paternal,levantou-se,colocou a mão no ombro do infeliz e disse: 
-Que nada,meu amigo!Tenha calma!Nem sempre as coisas são como a gente as vê;não julgue sua esposa sem saber o que realmente aconteceu.Ela podia estar com amigos;ou parentes,você conhece todos os primos dela? 
Tranqüilize-se,vá para a casa,tome um banho frio,espere sua esposa,trate-a carinhosamente e depois,com calma,pergunte a ela o que aconteceu.Ela vai lhe explicar. 
O rapaz acalmou-se,parou de soluçar,passou o pente nos cabelos,agradeceu ao delegado e já ia se encaminhando para a imensa porta de madeira lavrada da Delegacia,quando o Delegado o preveniu: 
-Olha aqui,meu filho,quando passar pela porta,abaixe a cabeça ou eu o mando prender por danos a próprio do Estado. 

Texto de Miriam de Sales 

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Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 22/02/2011
Código do texto: T2807430
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