*Eva e a TPM

“Não, não, não. Extremamente injusto, Senhor. Não tive infância, não brinquei de bonecas, e o Senhor já me dá esse corpão que com muito custo escondo atrás destas minúsculas folhinhas de parreira? Aliás, entra ano, sai ano, seja que estação for, as folhinhas são sempre iguais. Peço perdão, mas nem Sua divina onipresença garante que o Senhor entenda de moda.”

"Veja só, Senhor, os meus cabelos! Faço o possível para mantê-los penteados e desembaraçados, mas não tem jeito, com esse vento todo e essa história de alguns dias quentes e secos e outros com muita chuva, não há cabelo que resista. Tem dias que eu nem me olho nas águas límpidas do riacho quando lavo o rosto pela manhã para não me sentir um monstrengo. A Serpente até que me sugeriu usar o suco de algumas plantas e arbustos, mas acho que ela me engana, pois, quando o hidrato, ele fica pegajoso como uma lesma; e, quando fica sedoso, ele embaraça e vira um ninho de coruja. Veja como ele está agora, Senhor!"

“Aliás, Senhor, eu queria dizer que é injusto também não poder escolher parceiro melhor. Adão até que começou bem, mas a coisa toda já virou rotina. Ele, então, sem mais opções do que fazer para se divertir, tem dias que fica azedo, não quer discutir a relação (diz ele que não sabe o que é ‘relação’, mas eu acho que ele não sabe o que é 'discutir'), não entende minhas necessidades emocionais enquanto único ser humano do sexo feminino aqui na Terra e vive reclamando que o Senhor ainda não criou outra distração para ele... Deus, ele é um ogro comigo! Não me deixa falar o que eu penso e sempre que tento expor minhas idéias ele pula no lombo do cavalo e sai em disparada. Eu fico lá, falando sozinha. Ainda bem que o Senhor fez a Serpente, que é minha amiga e me escuta pacientemente.”

“Quer saber? Bem que o Senhor podia inventar logo alguma coisa, como um jogo com bola (o tatu se presta a isso, só faltam mais criaturas para a disputa). Ou então uma bebida diferente dessa água puríssima de nascente, do mel das abelhas ou do leite das cabras que temos em profusão por aqui. Sei lá, algo mais elaborado que o deixasse mais... digamos.... soltinho e relaxado, quem sabe? A Serpente falou alguma coisa sobre um fermentado de cevada ou de trigo, mas aí é com o Senhor, afinal o Senhor é onipotente.”

“E caso o Senhor resolva dar esses presentes para Adão, quem sabe não poderia ter compaixão e criar algo para mim também? Não sei bem, mas um lugar protegido das intempéries onde houvesse uma exposição de outros tipos de folhas com as quais cobrir minhas vergonhas, uns balangandãs coloridos para eu pendurar no pescoço e alguns pozinhos para eu poder tirar essa cara de espantalho; dar uma corzinha, o Senhor entende, não entende? Deve entender, afinal é onisciente... Um lugar aonde eu pudesse ir para passear e escolher o que usar. A Serpente me disse que há inúmeras possibilidades. Pode ser?”

“Não sei, Senhor, mas estou meio cansada deste Paraíso. O ócio pode ser bom, mas acho que eu prefiro alguma coisa mais agitada. Aqui não tem festas, baladas, ninguém comemora nada, realmente está muito difícil viver assim, Senhor. Tudo bem que criar Caim e Abel dá um trabalhão (eles brigam muito), ainda mais que o Senhor não inventou um lugar onde deixá-los ou alguém que possa tomar conta deles enquanto eu me ausento para fazer outras atividades... mas, mesmo assim, acho que eu merecia um pouco mais de variedade, né?”

Deus, com as orelhas quentes, percebeu que o Diabo havia possuído Eva e que, curiosamente, fazia isso de tempos em tempos. Seu gênio ficava difícil, pois ela reclamava de tudo, chorava por tudo e perturbava Adão por nada. A coisa chegava, se instalava e ia embora como se nada tivesse acontecido. No mês seguinte, mais ou menos à mesma época, voltava. Como Ele gostava de dar nomes às coisas, chamou estes dias de TPM – Temporada de Possessão da Mulher – e, sentindo-se responsável por tudo que Adão passava com sua companheira durante aqueles dias, resolveu dar-lhe um conselho.

Enquanto Eva estava experimentando algumas folhas para enriquecer o seu guarda-roupas, o Senhor chamou Adão à sombra da árvore do fruto proibido e, olhando fixamente nos seus olhos, lhe disse:

“Meu filho, jamais coma do fruto desta árvore, por mais que sua companheira insista nisso. Eu ouvi uma conversa dela com a Serpente num ‘daqueles dias’, combinando que, se ela conseguir convencê-lo a comer deste fruto, irá exigir que eu o despeje do Paraíso com as folhas do corpo, alegando que você traiu minha confiança. Depois, ela ainda irá impedi-lo de ver os seus filhos todos os dias, permitindo apenas um final de semana por mês; e, ainda por cima, irá exigir uma pensão alimentícia para sustentar os garotos, o que o obrigará a trabalhar de sol a sol para sustentar os seus desejos.”

“Infelizmente, meu filho, quando eu, num ato de amor e generosidade, tirei uma costela sua para dar-lhe uma companheira, não podia imaginar que este ato pudesse gerar nela o desejo e a necessidade de tirar tudo o mais que fosse seu. Por isso, meu filho, jamais coma do fruto proibido e seja muito paciente com ela nestes dias, afinal, é melhor viver no inferno alguns dias para não perder o Paraíso, do que perder a paciência alguns dias no Paraíso para viver o resto da vida no Inferno.”

Mas, depois que Deus inventou o jogo com o tatu-bola e o fermentado de cevada, Adão não prestava mais atenção n'Ele.

(E nem nela.)