A história de Lady Murphy

Lady Murphy nasceu num dia 29 de fevereiro. Passou a infância tendo festas de aniversário apenas de 4 em 4 anos, já que era uma criança bissexta. A primeira boneca que ganhou, de louça, quebrou-se assim que caiu no chão, quando tentou retirá-la da caixa. O primeiro livro que recebeu de presente foi de um vizinho alemão meio retraído, que não sabia uma palavra em português. O livro era ininteligível, mas as figuras coloridas a distraíram durante alguns dias, até seu irmão derrubar leite sobre ele e as páginas colarem umas às outras.

Na adolescência, Lady Murphy tornou-se uma bela mocinha, mas sua primeira grande paixão foi um rapaz que, coincidentemente, nutria forte atração por outros rapazes. O primeiro baile de quinze anos do qual participaria, um evento social comentado em toda a cidade pela sua magnitude, foi cancelado na véspera, pois o pai da rica aniversariante era um conhecido golpista que foi pego pela polícia subornando um vereador (o único vereador honesto de toda a cidade, que fez questão de denunciá-lo pelo crime). Depois, quando completou dezoito primaveras, a idade tão esperada para poder entrar no cinema e assistir aos filmes até então proibidos, os três cinemas da sua cidade fecharam as portas: um virou supermercado, outro foi derrubado para virar estacionamento e o terceiro transformou suas instalações para sediar uma grande igreja.

Aos vinte e um, apaixonada pelo colega de escola, resolveu casar-se de véu e grinalda. No dia de seu casamento, choveu todo o índice pluviométrico do ano; e o lodaçal que se formou na frente da igreja (não a do cinema, mas a católica da praça principal, cujo jardim estava em reformas) transformou seu imaculado vestido branco em um pesado uniforme camuflado de soldado em campanha.

O casamento durou seis meses. O marido fugiu com a madrinha.

Mais tarde, madura e experiente, resolveu que não queria se casar novamente, mas os apelos da natureza praticamente a obrigavam a ser mãe. Passou muito tempo procurando um pai biológico adequado, relacionando-se com homens minuciosamente escolhidos, mas acabou engravidando mesmo de um namorado zarolho e analfabeto.

Teve trigêmeos. O namorado, desempregado, sumiu.

Lady Murphy achou que ela e seus três filhos deviam sair da sua cidade natal e ir tentar a vida numa cidade maior. Foram para a capital, onde ela arranjou um emprego numa conceituada empresa e alugou um apartamento pequeno mas adorável, numa rua calma e tranqüila. Três meses depois, a empresa pediu concordata e as obras de alargamento da via desapropriaram o edifício. Lady Murphy mudou-se para uma cidade vizinha e arranjou outro emprego: era assistente de um publicitário cuja agência fazia campanhas políticas para candidatos extremamente honestos. E a primeira campanha que precisou realizar foi a do concorrente de um candidato eterno, que já havia afundado o Estado quando governador e tinha inúmeros processos correndo na justiça.

Ao contrário do que tudo indicava, seu candidato perdeu para o picareta.

A agência de publicidade, sem jamais conseguir eleger nenhum político, mudou de ramo e passou a fazer propaganda de outras coisas: cerveja sem álcool, livros de literatura (principalmente poesia), doces sem açúcar... Lá trabalhou muito tempo, até a agencia falir.

Seus filhos cresceram e se tornaram independentes. Lady Murphy, agora uma senhora aposentada, resolveu que estava na hora de se reinventar: procurou um cirurgião plástico para dar uma geral nas ruguinhas. Mas o médico, um charlatão profissional, errou na dose e ela ficou com um sorriso eternamente inexpressivo no rosto, além de uma sobrancelha mais alta que a outra.

O nariz, melhor não comentar.

Mas nem tudo eram azares na vida de Lady Murphy: um dia, participando de um bingo, ganhou uma viagem com todas as despesas pagas para Nova Iorque. Embarcou feliz da vida, chegando ao Aeroporto JFK na madrugada do dia 11 de setembro. Era o ano de 2001.