Foi assim...

Revirando meu baú de velharias, encontrei este e-mail, enviado em 1997 como resposta para a pergunta:

“Por que você está tão sumido? Tua mãe tá bem?”

Foi assim:

“Tudo começou em um belo dia chuvoso, voltei para casa na chuva, acabei chegando em casa encharcado e secando-me na frente do computador, que por estar com problemas de superaquecimento está sempre aberto e com um ventilador ao lado esfriando a placa mãe (e também quem estiver por perto). Subitamente eu lembrei que minha mãe sempre me dizia que a chuva provocava resfriados... No momento, preferi ignorar o fato.

No outro dia, ganhei carona de um amigo meu e a namorada dele estava com gripe, minha garganta começou a doer e nada mais que de repente, lembrei-me de minha mãe me explicando como a gripe era contagiosa e que só de pensar em alguém gripado já era perigoso... Então comecei a me preocupar, afinal eu já havia pego um resfriado, digo, uma chuva no dia anterior, agora estaria pegando também uma gripe.

Mais um dia se passou, agora meu nariz escorre, minha garganta dói, eu não paro de tossir, minhas costas que estão me matando, o dinheiro não dá para nada, tem fome na Etiópia, a água do mar não dá para beber e ninguém acha graça nas minhas piadas! (Ta bom, tá bom! A partir das costas não tem nada haver com a gripe, mas, já que eu estava reclamando aproveitei para reclamar de tudo).

Voltando ao assunto, depois que eu percebi que estava realmente gripado, resolvi tomar um daqueles comprimidos mirabolantes que prometem eliminar os sintomas desagradáveis da gripe em alguns minutos (automedicação). Pois é, não funcionou. Depois de algumas horas, eu comecei a passar mal e lembrei que havia lido na bula que o remédio poderia ter algumas reações adversas, então pensei: “O remédio está me fazendo mal...”, como por mágica eu me lembrei que minha mãe sempre me dizia que quando eu tomasse remédios, não deveria beber cerveja para não cortar o efeito do remédio. Concluí que cortando o efeito do remédio, cortaria também o mal estar que ele estava me provocando. Fui até o posto de gasolina 24h e comprei algumas cervejas.

Depois que eu já havia bebido as cervejas, o mal estar piorou, era como se tudo que eu bebi quisesse voltar do estomago e encontrar-se com a parede a minha frente. Engoli firme algo quente com gosto de cerveja e pensei: “Cortei o efeito do remédio, mas a cerveja está me fazendo mal...”, quase que instantaneamente passaram imagens ricas em detalhes por minha memória, onde alguns bêbados e até mesmo a minha mãe comentavam que determinadas coisas cortavam o efeito do álcool.

Em alguns minutos voltei ao posto e comprei seis achocolatados, um pacotinho bolachas, um guaraná e uma coca-cola. Bebi um pouco de cada. Logo depois quase morri, poucas vezes em minha vida me deparei com uma sensação tão mórbida e desagradável. Meu estômago revirava e parecia possuir vida e vontade própria, certos ruídos que ele produzia pareciam ser palavrões extremamente cabeludos na linguagem dos estômagos. Cheguei a conclusão de que eu havia ingerido um “monte de porcarias” (como minha mãe sempre fala) e então lembrei que o único modo se combater os males causados pelo “monte de porcarias” é uma alimentação saudável, rica em fibras e vitaminas. (Foi minha mãe quem disse!).

Como em minha casa não havia nada semelhante a descrição acima para se comer, peguei um pacote de farofa de mandioca temperada (fibras), alguns comprimidos contra anemia (vitaminas saudáveis), misturei com pedacinhos de carne (proteínas) e tomei com água (muita água, porque minha mãe disse que faz bem tomar muita água). Foi terrível! Quando eu me mexia podia ouvir aquela mistura se mexendo dentro de mim e o terrível monstro que não parava de se rodopiar em minha barriga estava empurrando-a novamente para minha boca. Tive que a engolir várias vezes antes de poder me levantar.

Andei até o quarto para dormir e me lembrei do que uma amiga da minha mãe sempre dizia: “Para gripe, toma um copo de leite bem quente e dorme...” Se funcionava com ela, pela lógica, funcionaria para mim, afinal eu já havia me livrado dos efeitos negativos do remédio, da cerveja e das porcarias, tornando-me novamente livre da ação de qualquer substância nociva, com exceção do vírus da gripe e da friagem (minha mãe sempre dizia que se pegava friagem, ela aprendeu tudo isso com a mãe dela!). Tomando o leite quente e dormindo, eu estaria fazendo a segunda tentativa para eliminar os sintomas da gripe, que provavelmente eram os que eu estava sentindo.

Queimei minha boca porque para funcionar o leite necessitava ser bebido bem quente, então corri para cama, tirei a jaqueta e a calça, coloquei uma bermuda e me deitei para dormir. Infelizmente, eu não conseguia dormir, nem mesmo respirar direito, então lembrei que uma tia minha (menos sapiente, porém irmã da minha mãe) tomava um cházinho que era “tiro e queda”, dava sono até em “criança superativa”. Levantei e quase morri pela segunda vez do dia, escutei meu estômago dizer o palavrão mais feio do mundo antes de lavar o chão do meu quarto com o leite bem quente e com um monte de coisas repugnantes que não pretendo descrever para poupá-la de imaginar aquela massa amarelada, fedorenta e amarga que passou por minha boca e se acumulou no chão, nas revistas em quadrinhos e em um pedaço da cama.

Sai de casa e fui colher um pouco de erva-doce (para poder fazer um chá e dormir), devia estar alguns graus abaixo de zero, pois eu tremia de frio. (Talvez eu devesse ter recolocado a calça e a jaqueta). Demorei para encontrar, mas encontrei.

Coloquei as plantas para ferver junto com a água da torneira na panela. Depois lembrei que minha mãe sempre dizia que água da torneira podia ter bactérias; joguei a água fora e comecei a colocar água do filtro. Mas lembrei que a TV (eu assisto com a minha mãe) sempre diz que fervendo a água mata todas as bactérias, então fechei o filtro e completei com a água da torneira.

Alguns minutos depois a água ferveu e pegou uma certa cor esverdeada das plantas. Foi só então que eu lembrei que havia vomitado todo o leite quente, logo não adiantava mais dormir.

Não era somente o meu estômago que não tinha mais leite, na geladeira também não havia mais nem o cheiro, então resolvi jogar o chá fora. Abri a janela e despejei o conteúdo borbulhante da panela. Minha mãe sempre me disse pra ter cuidado quando a água esta quente, acho que essa foi a coisa mais impensada que eu já havia feito até então, pois o berro de meu gato de estimação me deixou desesperado, tive a impressão de ter derramado todo o chá fervente sobre ele.

Sai correndo e peguei um balde cheio de água, abri a geladeira e senti o ar gelado impregnar em meus ossos, enchi o balde de gelo, porque me lembrei que minha mãe sempre dizia que gato escaldado tem medo de água fria, então se eu tivesse realmente o atingido, ele correria ao ver o balde. Saí novamente para o quintal e percebi que na verdade meu gato estava praticando os rituais de acasalamento de acordo com sua espécie e os gritos foram por mim mal interpretados. Ufa! Nem imagino o que minha mãe iria dizer se eu tivesse realmente escaldado o bichano...

Voltei para dentro de minha casa, que comparada com o quintal até que estava aquecida. Quis voltar a dormir, mas, antes de deitar eu acidentalmente pisei sobre a minha poça gosmenta de vomito e sujei toda a minha meia. Eu não iria subir em minha cama com o pé daquele jeito, fui até a sala e me sentei em um sofá para tirar a meia. Quando olhei as pegadas imundas que eu havia deixado, recordei-me de minha mãe me alertando de como andar descalço piorava a gripe e desisti de tirar a meia, que era a minha única proteção entre meu corpo e o terrível chão cheio de doenças e micro-criaturas de maldade inacreditável.

Fui até o quarto de meus pais, onde estão todas as meias limpas da casa, e silenciosamente troquei as meias, segurei minha tosse de maneira heroica para não acordar ninguém. Desviei minhas pegadas e voltei para o meu quarto, onde após deitar-me percebi que havia vômito por todo lençol independente de minhas meias estarem limpas ou sujas.

Os mosquitos, a tosse, a coriza e o cheiro de algo podre não me deixaram dormir. Levantei e pensei, preciso ir até um médico. Logo pensei em um médico, amigo da minha mãe, que com certeza saberia como me fazer melhorar, ou pelo menos dormir... Com o sono que eu estava não foi nada difícil pegar um ônibus errado e parar a quilômetros de qualquer médico que eu conhecesse ou pudesse pagar. Foi impossível voltar para casa, pois minha mãe disse para nunca falar com pessoas estranhas, então não pude pedir informações.

Foi por isto que eu fiquei tanto tempo desaparecido, vivendo nas ruas como um louco mudo. Agora por favor, não conte isso pra ninguém. Se te perguntarem diga só que eu fiquei gripado... Ok?”

PS: Se você está se perguntando: “E a mãe?”

A mãe vai bem, obrigado por perguntar.

=NuNuNO==

( Que já teve muito mais tempo para responder os e-mails... )

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 05/04/2011
Reeditado em 05/04/2011
Código do texto: T2890105
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