Pobre mocinha da cidade

Pobre mocinha da cidade!

A mocinha fora nascida e criada na cidade. Às vezes, passava as férias na fazenda quando era criança, mas isso fora em outro tempo.

Agora, crescida, formada, totalmente urbanizada, já não se divertia como antes com tal passeio; ia visitar os pais, moradores de um sitiozinho, dentro de um arraial, com todos os “perrengues” do mundo.

Achava tudo entediante: o silêncio, o cantar os animais brejeiros , o cheiro de estrume de vaca; o barulho da correnteza do riozinho que a atrapalhava dormir, o galo, cantando quase ao amanhecer do dia , a acordava e ela ficava irada, prometendo matá-lo qualquer madrugada dessas.

Então no terceiro dia, resolveu mudar seus pensamentos, ou pelo menos tentar, e foi dar umas voltas pelo campo.

Viu um lugar aberto, inóspito, e pensou que ali seria um bom lugar para se refugiar e colocar os pensamentos no lugar.

Chegou, e foi seguindo morro a baixo, observando que lá no fundo havia um lindo bambuzal, o qual cobria toda a margem do riozinho, que a pertubava à noite. Parou encantada com aquela visão ao seu redor e deslumbrada com a paisagem, resolveu sentar-se ali mesmo, naquele pasto a observar tudo.

Esquecera-se, de que estava de calça clara; quando percebeu, disse a si mesma

- Ah, agora deixa ! E assim voltou a contemplar aquilo que seus olhos captavam. Achava bonito, pois tudo a fazia lembrar-se dos parques que ,ás vezes, visitava, dentro da cidade grande nos dias ensolarados, com seu amor.

_É pensando bem, aqui não é tão ruim assim. O ar é tão puro, o verde tão mais intenso, o cheiro da relva até que é agradável de se sentir, lembra aquelas essências de lojas exotéricas e eu posso pensar que aqui estou para meditar um pouco sobre toda a existência humana. Então, desviou os olhos do horizonte, olhou para sua calça e percebeu que a mesma estava cheia de pontinhos pretos que se moviam.

_Socorro , aaiiiiiiiiiiiiiii....

E saiu correndo desesperada, tropeçando em tudo, sem rumo certo. Acabou entrando na casa do vizinho de seus pais, a fim de cortar caminho, e todos dentro da casa ficaram petrificados com aquela surpresa tão desconexa

Passou primeiro, correndo no quintal e trombou em Dona Maria, que ali colocava roupa no varal; cortou a cozinha, empurrando o menino que ali tomava seu mingau de milho; passou pelo corredor e jogou no chão o marido que saía do banho, e sua toalha voou deixando-o com os documentos de fora; saiu no alpendre e trombou nas latas com samambaias e avencas , pisoteou o jardim com florezinhas do campo, pisou no rabo do cachorro e o mesmo, enfurecido, passou a correr atrás dela, e ,até que enfim, chegou a casa de seus pais com cachorro e carrapatos como companhia.

Os pais,sem saber o que estava havendo; a pobre, quase não conseguindo falar, entrou em casa tirando toda a roupa e jogando por onde passava; foi paro o chuveiro frio lavar-se com uma escova de lavar roupa que ali estava para limpar os pés daqueles que da rua chegavam.

Esfregou-se toda , até ficar com a pele escalavrada das cerdas duras da mesma, enquanto a mãe e o pai batiam na porta, enlouquecidos de preocupação com tal comportamento, e os vizinhos se achegavam também, na curiosidade que só eles seriam capazes de ter, porque ali nada de novo acontecia.

Já um pouco mais calma, saiu do chuveiro e contou o acontecido. Os presentes quase morreram de rir, enquanto a mesma tentava explicar, com a seriedade e sofrimento, o pânico por ela vivido.

E com a voz meio chorosa :

- Vocês não sabem o que eu passei, olhem a minha roupa... Pai, joga ela dentro da fornalha, é perigoso, alguém pode ter uma doença incurável... eu quero ir embora, a que horas sai o ônibus ? Já aos prantos, enquanto todos seguravam o riso diante do sofrimento da pobre.

-

Não se falou sobre outra coisa no arraial. Até hoje se conta a história da louca e escandalosa da cidade grande.

Diante de tal “mico”, resolveu que ou os pais a visitariam na cidade ou nunca mais os veria.

Pobre mocinha da cidade!

Dulce Magalhães
Enviado por Dulce Magalhães em 30/06/2005
Código do texto: T29650