VIDA DOMÉSTICA

"Dedico este texto á minha mulher, pois

sem a sua providencial ausência, eu não

teria coragem de escrever este conto."

Ontem à tarde, durante minha caminhada diária, ocorreu um fato que me faz refletir no sentido de que a felicidade de um casal e a durabilidade do casamento, depende muito do humor.

Tenho um amigo, que encontro todas as tardes, sentado a sombra de uma bela árvore cochilando. Melhor dizer: fingindo cochilar. Fica alí, quietinho como um louva-deus, sentado numa cadeira de varanda, pernas esticadas numa banqueta e um livro largado sobre o colo. Pálpebras cerradas. Mas alerta. Nada escapa da sua vigilância.

Como sempre faço, parei ali para um dedinho de prosa.

Aqui é um lugar pequeno, conhecemos quase todos. Dai que vem, pisando duro e cara de poucos amigos, uma velha senhora. É nova na cidade, ela e o marido, um baixinho, narigudo e vermelhão, vieram há pouco tempo de São Paulo. Ao que parece não têm filhos.

Ela passou como um general que vai à batalha e nós a cumprimentamos. E como um general ela correspondeu burocraticamente a continência, mas foi só.

Não era a primeira vez que, naquele horário, eu a via passar assim, feito um tanque de guerra.

Meu amigo comentou:

"Vai buscar o marido, que tá enchendo a cara no boteco do Saca-Rolha."

Continuamos outros assuntos e, não demora, ela passa de volta. Com cara de general que ganhou a guerra.

Meu amigo diz:

"Preste atenção lá na esquina, o marido vai aparecer apressado. De vergonha ele volta pra casa pela rua de baixo, cercando galinha. Na esquina se encontram e ela vai empurrando ele. Depois, no lar-doce-lar ela lhe dá um cacête."

"É assim todos os dias, tapas e beijos faz parte da felicidade deles.

É como dizem, "acho que custaram a se casar. Ela se recusava a casar enquanto ele estivesse bêbado, e ele se recusava a casar quando estava sóbrio."

Lembrei-me de, certa vez, no mesmo bar do Saca-Rolha, estavamos eu e mais dois amigos querendo formar uma roda de truco. Baralho na mão, faltava um parceiro.

Nisso passou o Eduardo com um pacote na mão.

Acenamos para ele e o convocamos para o jogo.

"Não dá", disse ele, "em casa tem visita, uns parentes da minha mulher, fui ao açougue buscar uns bifes para o almoço" - respondeu, mostrando o pacote que carregava.

Insistimos, vem, vem, é rapidinho, três rodas e pronto, volta todo mundo para casa.

O infeliz topou e pedimos logo quatro cervejas.

Lá pelas três horas da tarde a mulher dele apareceu na porta do boteco. Fuzilou todos nós com um olhar de secar arruda e matar passarinho na gaiola. Pisou duro até nossa mesa de truco e desferiu um chute, mas tão bem dado, mas tão bem dado, que a mesa voou até o teto, as garrafas e os copos de cerveja quicaram pra todo lado, e tem baralho correndo até hoje de susto.

Eduardo, o marido fujão com seu pacote de carne, escafedeu-se pelos fundos, pulou o muro e dizem que voltou pra casa, trancou-se no banheiro de onde só saiu quando toda família reunida prometeu a ele que poupariam sua vida.

Vejam vocês, então, como as mulheres são injustas e não nos compreendem.

Dura a vida de marido no laço e cabresto.

Mas elas têm outras manias.

Um amigo meu contou que logo que se casou a mulher começou a obrigá-lo a fazer xixi sentado.

Pô, será que nenhuma mulher entende que mijar sentado é uma desonra maior fazer exame da próstata.

Pois bem, esse meu amigo peitou a jararaca.

Disse que não sentava e ponto final.

Decorreu que seguiu-se um inferno, toda vez que saia do banheiro a mulher corria pra conferir e, se achava uma gotinha na tábua de sentar, era motivo para ele jejuar uma semana, comer feijão salgado e arroz queimado.

Meu amigo não queria perder o casamento por causa de uma besteirinha como essa, dai pensou numa solução.

Encontrou-a um dia em que ficou a ver a cascavel cuidar de uma hortência enorme, fincada no jardim dos fundos e que dava quase o ano todo lindos buquês azuis.

Foi lá, abriu a braguilha, colocou o coiso para fora e ficou a mijar na hortência.

A malacatifa quase teve um enfarto.

"O quê você está fazendo?"

"Mijando de pé!"

"E desde quando você passou a mijar no jardim?"

"Desde que você me obrigou a mijar sentado!"

Fizeram um acordo amigável e vivem felizes até hoje.

Essas picuínhas acontecem com todos os casais felizes.

No mundo todo e em todas as gerações.

Consta de uma biografia de Mark Twain que certa vez ele foi visitar Harriet Beecher Stowe, autora do livro "A Cabana do Pai Tomás".

Descuidado em se vestir, fez a visita sem estar devidamente engravatado.

Ao voltar, sua esposa lhe chamou a atenção pela falta e encasquetou de aborrecê-lo muito pelo descuido.

Pouco mais tarde, no mesmo dia, Harriet Stowe vai atender a porta da sua casa e encontra um mensageiro com um pequeno embrulho.

Ela o abriu e dentro encontrou uma gravata de seda preta e uma nota do escritor dizendo o seguinte:

"Junto segue uma gravata. Leve-a para a sala de visitas e olhe-a bem. Hoje pela manhã passei meia hora agradáveis em sua companhia, mas estava sem esta gravata. Parece que vou ter que passar o resto da minha vida conjugal a levar bronca da minha cara metade pelo descuido. Assim, para livrar-me dessa tragédia, ao cabo de meia hora olhando para a gravata, queira a senhora devolvê-la, pois é a melhor que tenho. Carinhosamente: Mark Twain".

Assim, saibam todos que um casamento não é somente uma comunhão espiritual entre duas pessoas.

Mas compõe-se, também, de três refeições ao dia, uma cama limpa, cuecas lavadas, colocar o lixo pra fora e não se esquecer de dar descarga no vaso sanitário.

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Araçatuba-SP - 08/10/2011