O grande Bilau
Instigado pela valorosa Chana, goleira da seleção brasileira feminina de handebol, lembrei-me do famoso centroavante Bilau, um controvertido artilheiro de muitos gols e tantos feitos inesquecíveis mundo a fora – ou seria melhor dizer mundo adentro.
Bilau era um atacante voluntarioso, jogava de cabeça erguida e sempre deu muitas alegrias à apaixonada torcida do seu time. Algumas vezes, porém, como acontece com tantos outros craques, deixava o campo de jogo de cabeça baixa, sob estrepitosas vaias, envergonhado com sua pífia atuação. Em sua defesa, pode-se dizer: não era comum; acontecia raramente.
Tudo era diferente nos dias de glória. Quando marcava três gols num clássico, os comentaristas esportivos exultavam nas resenhas: “Grande Bilau!”
Bastava, contudo, algum deslize, uma jogada mais ríspida, uma expulsão que prejudicava seu time, para os mesmos comentaristas o execrarem, repudiando seu comportamento selvagem.
“O Bilau entrou muito duro no adversário.”
“E por trás. Entrada por trás sempre dói muito.”
“Verdade. O Bilau é grosso e entrou rasgando.
“Foi muito bem expulso pelo árbitro.”
“Ih! Parece que o Bilau não quer sair de campo.”
“Olha lá! O Bilau cuspiu no outro!”
“Uma vergonha! E eu pergunto a vocês: para que isso?”
Assim era a carreira do intimorato Bilau. Ora estava por cima, ora estava por baixo. Rendia mais quando atuava na frente, jogando enfiado, mas também realizava maravilhosos lances quando vinha por trás, com a bola dominada, o olhar arguto, buscando uma brecha por onde penetrar, a careca reluzente, facilmente identificada das arquibancadas, o corpo avantajado se impondo às zagas mais fechadas, nas épicas batalhas travadas dentro da grande área.
“Bilau! Bilau! Bilau!” – exigia a massa numa partida em que ele estava fora de campo e o ataque não fazia gol.
“A torcida tá pedindo Bilau”, diz o repórter impressionado com o coro retumbante que vinha das arquibancadas.
“É uma unanimidade. Todos querem que o Bilau entre.”
“A voz do povo é a voz de Deus.”
Subitamente, um delírio descomunal domina o estádio. A conhecida cabeça careca e brilhosa de Bilau surge na boca do túnel.
“Finalmente o técnico resolveu colocar o Bilau.”
“Demorou muito. Do jeito que esse time tá jogando, é um absurdo deixar o Bilau de fora.”
“Pois é, agora que o Bilau tá dentro, vamos ver o que ele pode fazer.”
“Bem... Se o Bilau se mexer direitinho lá na frente, se não ficar paradão, a coisa funciona.”
“O Bilau tem que fazer o vai e vem, não pode recuar.”
Eis que, após alguns minutos, uma bola é roubada pela defesa. A zaga adversária está aberta, desprotegida, convidativa a uma penetração rápida.
Bilau avança desmarcado.
“Mete! Mete!”, grita o torcedor, pondo-se de pé na arquibancada, pressentindo o gol.
A bola é cruzada na medida. Bilau agiganta-se, projeta a cabeça luzidia e... pimba!... bota lá dentro.
Festa de gritos e bandeiras nas arquibancadas. Um êxtase total toma conta de todo o estádio. Mais uma vez a decantada cabeça de Bilau volta à boca dos torcedores.
“Bilau! Bilau! Bilau!”
A glória! A glória! Com a sensação do dever cumprido, uma lágrima escorre do olho do grande Bilau.