Viagem de férias

Após tantos meses de trabalho duro, saindo de casa por volta das seis e meia da manhã e retornando “depois da novela”, estou mesmo precisando de umas férias. Merecidas férias...

Puxa vida ! Com tanto trabalho e cansaço nem parece que tirei férias ano passado.

Primeiro levar o carro para uma revisão. Algumas peças substituídas e vários defeitos inventados por meu mecânico de confiança devem me custar... ah, deixa pra lá! Não vou perder minhas férias por um detalhezinho besta.

Fazer eu mesmo minha mala será o segundo passo. Ano passado a maluca da minha mulher encheu minha mala com seis ternos, doze gravatas, oito calças, umas quinze camisas sociais, vários cintos e um montão de meias e apenas um calção de banho.

Preciso deixar a cadela e o gato no hotel para animais. Com o gato não me preocupo mas preciso alertar os responsáveis pelo hotel porque se nesse ano, como no ano passado, permitirem que minha cadela cruze com um cachorro qualquer e eu seja presenteado com doze vira-latas, os processarei.

Não posso me esquecer de fazer verificação completa de portas e janelas para que não se repita o mesmo que nas férias de dois anos atrás quando uma besta, que até hoje não consegui descobrir quem foi, deixou a porta da cozinha aberta. Ainda bem que uma vizinha percebeu a tempo e telefonou para meu celular. Só tive retroceder os 180 km que já havia percorrido para fechar a maldita porta.

Preferiria sair pela manhã e chegar na casa de praia ao anoitecer mas, pensando bem, é melhor que passe o dia tentando dormir e viaje durante a noite. Preciso chegar cedo e deixar a casa aquecendo e sendo ventilada. Ninguém vai conseguir dormir com o cheiro do mofo acumulado em onze meses. É isso mesmo! Preciso sacrificar uma noite de sono para não arriscar uma bronquite alérgica no júnior. Chegando lá e descarregado o carro, posso dormir enquanto a mulher, a sogra, o cunhado e as crianças vão para a praia. Tomara que, não seja acordado pelos gritos histéricos de minha cunhada imaginando que uma de suas crianças se perdeu na multidão de banhistas.

Passarei na farmácia e comprarei protetor solar porque os sacanas ficam se tostando no sol e depois não dormem nem me deixam dormir.

Ah, tudo bem... Só de pensar que vou poder tomar na hora que der vontade uma cervejinha numa quiosque qualquer me deixa animado. Antes, porém, preciso deixar claro que não sou responsável pelo pendura da sogra e daquele cretino do meu cunhado. Nunca me esquecerei daquelas férias quando aquela velha azarada para fazer graça para umas velhotas que conheceu não sei onde e o canalha do cunhado, querendo bancar o rico para umas piranhas quer conheceu na areia, me deram um rombo de quase dois meses de salário em “pendura”.

Preciso ficar de olho nas crianças porque, com o consentimento omissivo da mamãe ou da vovó, comem e bebem toda porcaria que lhes é oferecida. Não há quem resista a picolé de água de torneira e suco “de pozinho” combinado com pastel de carne azeda e espetinho de camarão de qualidade duvidosa. Já estamos ficando conhecidos no posto de saúde. Inclusive ano passado o médico plantonista, atendendo a mais uma das diarréias de júnior, disse que ele cresceu muito desde as últimas férias (ou terá sido de sua última caganeira?). Não sei se gasto mais com as porcarias com as quais se entopem ou com os remédios que são obrigados a tomar.

Por falar nas crianças terei que convidar o namorado de minha filha mais velha. O pior é que o cretino irá aceitar o convite e, como sempre, irá esquecer o dinheiro. O sogrão, claro, terá que emprestar uma grana sabendo que não haverá devolução.

Estou louco de vontade de fazer um passeio numa escuna mas somente no caso de conseguir dar um drible na família e embarcar sozinho. Minha mulher fica o tempo todo falando que está com medo que o barco afunde e isso irrita os demais passageiros. Há três anos a sogra, enjoada, vomitou no colo de um desembargador que estava de férias. Pensei que seria preso tamanha a indignação do distinto. Ano passado meu cunhado, completamente bêbado, caiu no mar, se afogou e o passeio foi interrompido para que o imbecil fosse salvo.

Tenho que implorar, aliás, ameaçar a todos para que não contem a ninguém que iremos viajar. Sempre que planejo uma viagem mulher e filhos dão com a língua nos dentes e não dá outra: aparecem alguns amigos que “estão de passagem” mas ficam pelo menos dez dias na minha casa e às minhas custas.

Vou ter que convencer a empregada a ir conosco. Minha mulher, que não faz nada o ano todo, leva muito a sério esse negócio de férias e a sogra, com suas doenças imaginárias, faz menos ainda. Se não houver alguém para fazer a limpeza... Oferecendo-lhe duplo salário, muitas horas extras, despesas por minha conta ela topará. Espero.

Com a violência e insegurança reinantes terei que contratar uma empresa de segurança para que coloquem guardas para tomarem conta de minha casa. Ainda não sei se é mais barato contratar segurança privada ou ter a casa roubada porque o que estão me cobrando é igual, me parece, ao que gastaria para recomprar tudo que há dentro de casa.

Fazer o que ? Começo se ano, todos felizes e ansiosos para gozar de férias sem que tenham trabalhado e gastar o dinheiro quer não ganharam. É preciso que me apresse...

Dario Castellões
Enviado por Dario Castellões em 02/01/2007
Código do texto: T334054