Sexo, estatistica, futebol e rock and roll

Brasil e Inglaterra. Copa do mundo de 2002. Uma experiência oriental de formar um duo de nações como paises sede. Uma excentricidade de asiáticos.

Se não me engano foi numa quarta feira. O jogo seria de madrugada, de quarta para quinta feira - outra excentricidade asiática. Era a primeira partida das quartas de final. O horário impróprio do jogo não era problema, tinha acompanhado a todos.

Mas desta vez eu teria que dividir minha atenção entre o futebol e um exame final de estatística. Sempre preferi penalidades máximas, voleios, trivelas e gols de placa á modais, curvas de gráfico, desvios padrões e outras excentricidades - olha ela aí de novo - das ciências exatas.

Considerando que precisava de vinte e seis pontos em uma prova que valeria trinta, decidi que era conveniente estudar. Durante o dia não dava, pois trabalhava em horário integral. A solução era não dormir e devorar estatística durante a madrugada. Até aí não havia problemas. Eu iria ficar acordado para ver o jogo do Brasil e aproveitaria a vigília patriótica para estudar.

Estava saindo da faculdade por volta das vinte e três horas em direção a minha casa e aos livros, quando encontrei a Marcelinha. Ela foi mais incisiva que um arranque do Fenômeno em direção ao gol.

" Cara, tou ferrada. Amanha tem exame final de estatística e eu não sei nada da matéria e preciso fechar a prova. Quer estudar comigo? Estou indo pra casa agora pegar nos livros, quer ir? "

Aí estava o problema.

Como é que eu ia me concentrar em estatística de madrugada, ansioso para ver o jogo do Brasil e ainda por cima em companhia da Marcelinha.

A Marcelinha era o que podia-se chamar de "a gata". Imagine uma mistura improvável de Nicole Kidmann com Juliana Paes. Multiplique por dois. Taí. Esta seria uma visão aproximada da deusa.

Eu poderia ter recusado o convite, mas jamais iria me perdoar por saber que o excesso de responsabilidade me impediu de passar uma noite inteira em companhia da Marcelinha.

O apê dela ficava perto da escola, e caminhavamos enquanto eu abordava o assunto futebol e copa do mundo. Descobri que ela tinha desprezo pelo primeiro e ódio do segundo. Aquele papinho de que "futebol é o ópio do povo e não passa de política de pão e circo", eram as diretrizes de seu pensamento.

Os meus problemas iam se agravando.

É claro que eu não iria dizer para aquele avião que ao invés de socialismo cientifico eu me interessava mesmo era pelos "três dedos" de canhota do Roberto Carlos.

Começamos a estudar. Livros espalhados na mesa, anotações desconexas nos cadernos, e aos poucos íamos percebendo a beleza de uma modal e o singelo efeito de um desvio padrão.

Quando os foguetes começaram a pipocar na madrugada, não resisti, tomei coragem e fingindo desinteresse falei:

"Porque você não liga a TV do seu quarto e tira o volume de som . Continuamos estudando aqui na sala e acompanhamos o resultado apenas através das imagens."

Ela ainda resistiu um pouco, mas diante do meu argumento de que "O futebol é o esporte mais praticado no Brasil, quiçá no planeta, e juntamente com o samba é o carro chefe de nossa cultura popular."

Fiz ainda uma associação desta baboseira com Max Weber e Durkheim. Pra impressionar citei Gilberto Freire e fechei o pacote.

Ela cedeu.

De onde eu estava podia ver a telinha de 16 polegadas no momento em que o Ronaldinho Gaúcho tomava distancia pra cobrar uma falta.A infração fora cometida ali pela meia direita do ataque, mais ou menos a uns quarenta metros da meta inglesa. Estatisticamente, nas cobranças de tiro livre daquela posição, a bola é alçada na grande área á procura dos zagueiros que sobem para tentar o cabeceio.

Mas felizmente, ao contrario de mim, o Ronaldinho Gaúcho nunca perdeu tempo com estatísticas.

Quando o cracaço correu para a bola para efetuar o tiro, o arqueiro inglês saiu do gol para se antecipar ao cruzamento eminente. Mas o chute saiu direto para o gol. Indefensável. Não deu tempo do tomador de chá voltar para a meta. Bola no fundo das redes, Ronaldinho correndo em comemoração, e a Marcelinha se levanta, grita "Brasil, Brasil", se agarra no meu pescoço e me dá um euforico beijo na boca.

Dali pra frente só deu Brasil em Yokohama e eu no apê da Marcelinha.

O final desta estória todo mundo conhece em parte: O Brasil classificado vai para a semifinal , detona a Turquia e pega a Alemanha do nazista Oliver Khann na final. Despacha os comedores de salsicha e se torna pentacampeão do mundo.

A outra parte menos conhecida, é que eu tomei pau na disciplina de estatística , mas em contrapartida, assisti todos os jogos da copa de 2006 no apê da Marcelinha.

O lance já dura quatro anos e se eu estiver na casa dela , ela acompanha até jogos da terceira divisão, e o que é melhor... a gata tá batendo um bolao.

milimetro
Enviado por milimetro em 09/03/2007
Reeditado em 14/01/2008
Código do texto: T406539
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.