Saint-Exupéry e a saga de um míope digital
Conheceram-se num clique. Apaixonaram-se num teclar de dedos. A primeira exibição no vídeo foi o ápice do amor. Noivaram. Ele, como bom cavalheiro, responsabilizou-se por romper toda aquela distância na próxima folga. E foi. Quinhentos quilômetros depois, alguém o esperaria.
Enfim, terra firme. Depois de tantas nuvens e sonhos, a realidade o abraçava. A alguns metros, no saguão do aeroporto, alguém acena. Parecia ela. Não, era ela. Talvez ele apenas estivesse tonto da viagem e dos sonhos. Algo estranho no ar, ou melhor, algo estranho à sua frente. Será que noivar teria feito-a tanto mal? Será que estaria tresloucada pela notícia de sua chegada? Será que teria dormido na porta de casa esses últimos dias?
A visão: um metro e quarenta de altura, sustentada por um salto n.° 15; cabelos tingidos às pressas, evidenciando um loiro tão falso quanto os olhos que, a quinhentos quilômetros de distância, pareciam verdadeiramente azuis; sua pele parecia feita à mão, por um cirurgião plástico iniciante e pouquíssimo competente; a cintura nada mais era que um corselet que concentrava toda a justeza que falta no mundo; e os dentes ele não quis pagar para ver.
Atônito, disparou tímida e ironicamente:
- Você está irreconhecível. Meu amor, qual é o seu segredo?
Sem meias palavras e falsa modéstia, ela confessa:
- Aumento o contraste, ajusto a nitidez e capricho no brilho.
Seguiram de mãos dadas, não se sabe para onde. Cabisbaixo, certamente lembrou-se das palavras de Saint-Exupéry, veementemente repetidas por sua mãe: o essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer.
Pensar alto já lhe era inevitável:
- Argh! Maldito Pequeno Príncipe!