ANDAR DE ÔNIBUS

Leio que a atriz Lucélia Santos foi encontrada andando de ônibus e que o fato mereceu repercussão nas redes sociais.

Ela não gostou; afirma que é normal andar de ônibus e que só no Brasil isso é considerado inusitado.

Tem razão.

A maioria das pessoas andam de ônibus, mas, devido a qualidade do serviço em terra pátria, andar de ônibus é considerado "coisa de pobre".

Não é.

Andar de ônibus é um modo civilizado de locomoção.

Mas por aqui nem sempre a civilização de comporta como deveria.

O super ministro dos militares, Golbery de Couto e Silva, já falecido, (que Deus o tenha para sempre ao seu lado - por favor, não devolva!!!), só andava de ônibus.

Dispensava carro oficial, táxi, carruagem, etc; de terno preto, o ministro comprava um jornal na esquina, subia num ônibus como todo mundo e ia trabalhar.

Nem faz tanto tempo assim.

Nem ele deixou saudades.

Em novembro do ano passado, eu estava em São Paulo e fora acabado de inaugurar a linha expressa "só para ônibus".

Resolvi experimentar.

Deixei o carro na garagem e fui pegar um ônibus para ir até o metro Santa Cruz.

Era um "articulado".

Para quem não sabe, "articulado" é aquele ônibus imenso, separado por giratórias sanfonadas em dois lugares da carroceria, que é para poder fazer as curvas nas esquinas.

Quando adolescente eu trabalhei num escritório em São paulo e andava de ônibus o dia inteiro.

Lá pelos "anos sessenta".

Era um "saco", um horror que cheirava a gasolina, a fumaça e a demora nos congestionamentos da Rua Celso Garcia.

Agora, prometia estar melhor.

Nem bem subi no "articulado", paguei a passagem e me encaminhei para as traseiras, o motorista resolveu virar uma esquina.

Nesse momento fui pego no centro do veículo, bem na giratória que faz emenda sanfonada.

O pedaço onde eu estava de pé girou, igual a um carrocel de parque de diversões, e o resto do ônibus só se moveu para frente.

Ou seja, tive que rapidamente me segurar no cano metálico que fica no centro dessa roda.

Agarrei-me a ele com as duas mãos, mas o movimento centrífugo fez com que eu girasse em sentido inverso ao que o ônibus estava virando.

Meu peso foi arremessado para trás, perdi a sustentação dos pés e fiz um belo movimento de "poledance".

Mas o motorista resolveu virar nova esquina, nem bem eu tinha acabado o movimento de giro.

Fui arremessado em sentido inverso ao que eu tinha girado antes.

Escolado, meti o cano de apoio do ônibus entre as pernas e segurei firme com ambas as mãos.

A força centrífuga fez com que eu girasse várias vezes, abaixando o corpo até o chão para buscar apoio.

Meu pé direito ficou preso junto a barra e o esquerdo deslizou elegantemente até o extremo dos meus músculos, como um passo de tango.

Mas a beleza morreu ai.

O motorista pisou no freio e interrompeu bruscamente essa minha coreografia.

Em consequência meti o saco no cano e gritei "uhh!!".

O ar escapuliu dos meus pulmões, mas por muito pouco tempo, porque o motorista arrancou firme e dobrou outra esquina.

Com tudo...

A ação me fez girar em sentido inverso ao que estava antes.

Depois de girar pelo menos três vezes na barra, o motorista resolveu frear; depois avançou devagar para a frente.

Olhei ao redor e esperei pelos aplausos dos demais passageiros.

O povo, canalha, fez de conta que nem tinha visto.

Mantinha visão à frente e face de "isso não é comigo".

Acho que os passageiros já estavam cansados de ver pessoas dançando sem convite ali na roda maluca.

Assim que consegui ficar em pé sem auxílio do cano cilíndrico, puxei a cordinha sinalizando que queria descer.

Saltei fora não sei onde, peguei o primeiro táxi que passou e paguei vinte e sete reais pela corrida.

Caro, muito caro.

Lucélia Santos que me perdoe.

Ainda não dá para andar de ônibus sem sacrifícios.

Faço votos para que este transporte melhore, até alcançar o padrão fifa.

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março / 2014

Obrigado pela leitura.

Samuel Sajob