A senha

Eram quase quatro horas da tarde. Nunca imaginei que pudesse haver tanta gente querendo comer aquele sanduíche de aspecto duvidoso, que o pessoal costumava chamar de “podrão do Johnny Boy”.

O negócio estava prosperando mesmo, o saguão estava lotado. Quem diria que um sanduba de pão de forma com leite condensado, pasta de atum, mortadela e passas faria tanto sucesso entre os jovens?

Olhei o número da minha senha: 9434. Com sorte, seria atendido no fim da semana. Isso se não caísse duro de fome antes, ou comesse um cachorro-frio, viralata mesmo, ou mordesse a perna de alguém.

Abri um sorriso. Rangi os dentes e procurei entre as pernas que havia em volta uma para eu atacar a dentadas. Vi a pernoca de uma morena espetacular, coxas grossas, bem torneadas. Huuummm... Seria um banquete. E aquela lourinha? Nhac-nhac-nhac...

A fome ia me deixando zonzo. Senti que estava começando a babar, então virei o rosto. Podiam confundir meu ar famélico e desesperado com um olhar tarado e desesperado. Pernas, tantas pernas, em shorts e minissaias, coxas lisinhas, joelhos formosos, panturrilhas bem esculpidas e eu ali sem almoço, roendo os lábios, esfomeado, doido para libertar o canibal que existia em mim.

E um bracinho, que tal? Um bracinho roliço como o daquela menina... ali... bem... na minha... frente...

Aproximei o rosto lentamente. Ela estava distraída, conversando tão animadamente que nem percebeu minha faminta aproximação. Quando estava a menos de 20 centímetros, abri o bocão.

Fechei os olhos, pronto para saborear. No que me preparei para cravar os dentes naquelas carnes alvas e macias, alguém veio por trás e me deu a maior mordida nas costas.

Soltei um urro, mas o falatório no saguão era tanto que ninguém ouviu. Lá na frente, uma campainha estridente soou e um número apareceu no visor junto ao balcão: senha número 175.