Vôo 205 (Aguardando o Embarque)

O atraso já se estendia por mais de 3 horas. Os passageiros aguardavam, já com alguma impaciência, instruções da Companhia. Quando alguém, vindo do banheiro ou do cafezinho, se aproximava do balcão, na expectativa de haver alguma novidade, simplesmente ouvia da mocinha aquela informação impessoal em sotaque paulista: - Sem previsão, senhor! Depois de terminar com algum sucesso um jogo de logomania, de fazer umas cinco palavras cruzadas (entre fáceis, muito fáceis e difíceis), passei a observar as pessoas à minha volta. Logo à minha frente havia um japonês magrinho de terno cinza, sem gravata, impassível, sentado lendo o seu jornal, já lá pela quinta vez, quem sabe, treinando o seu português, no? Ao seu lado, o contraste. Uma nordestina gorda, cheia de embrulhos reclamando em altos brados para um casal amigo (a moça, mais tarde eu soube, era sua filha) e tem que ser muito amigo para aturar tamanha onda de lamentações entre meadas de conselhos e agouros. A sua grande revolta era refletida na frase: "Se o Fernando Collor estivesse nesse vôo, as coisas não estariam assim, não!" O Ricardinho, aquela pestinha, depois de levar a sua mãe quase à loucura com correrias e tropeções, agora queria pesquisar o conteúdo dos cinzeiros. Ela, com um recém-nascido naquelas bandejas próprias para recém-nascidos (de nome ignorado) e com um filho ainda na barriga (mais ou menos de 7 meses, de nome e sexo também ignorados), era das mais ansiosas pelo embarque. Um cidadão que bem que podia se chamar Sr. Smith, branco azul polar radiante, revoltado, falava coisas numa língua incompreensível e esmurrava o balcão. Digno de registro também era aquela senhora, maquiada com nenhuma discrição, roupa e chapéu de oncinha, bota de cano curto, que enchia as medidas do seu marido, este uns 10 anos mais moço e seguramente alguns milhões mais pobre. "Meu bem, estou exausta. Que tal irmos descansar no hotel do Aeroporto? "(ou não seria Motel do Antonio Porto?)". Ah! Havia também aquela turista americana (só podia ser americana) de pés enormes que conversava com sua amiga alta, pescoçuda, óculos presos por uma correntinha. As duas, de mapa na mão, após mais uma incursão ao balcão em busca de notícias, agora pareciam tranqüilas estudando as ruas da próxima cidade. De repente, a grande notícia. Embarcaríamos dali a 30 minutos. Levantei-me vitorioso, como se tivesse derrotado a Companhia de Aviação. O papel em que eu rascunhava esta crônica caiu no chão, perto do japonês que, com um sorriso, se abaixou para pegá-Io. Mas ao passar rápida e curiosamente os seus olhos de japonês no papel, ficou sério, olhou para mim e falou com decisão: - Japonês, não! Coreano, viu! Coreano!
Karpot
Enviado por Karpot em 06/03/2015
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