A outra face de Cinderela

Era uma vez, no tempo dos políticos corruptos e infames e das fraudes eleitorais, uma linda menina que se chamava Cinderela. O pai dela havia morrido, diziam que de velhice, mas Cinderela mal sabia que a sua madrasta era muito bem treinada em jiu-jitsu, karatê e sumô e tinha o péssimo hábito de usar os seus "dotes esportivos" nas suas conversas com o marido. Essa respeitável senhora tinha duas filhas do primeiro casamento, que ao contrário de Cinderela (uma moça linda, meiga e submissa), eram muito ambiciosas e malvadas, tanto que convenceram a mãe a não dividir a herança com Cinderela, e ficarem com tudo. Assim, com muito dinheiro (pois o pai era um desses políticos infames e corruptos), puderam fazer cirurgias plásticas e sair nas revistas. Mas isso só acontecia porque a madrasta malvada de nossa historinha, tinha um caso com o dono da Playboy. Mesmo assim, a beleza dessas moças indelicadas, nao superava a beleza da nossa delicada personagem: Cinderela.

Mas, infelizmente, sem acesso à internet, a beleza e a meiguice de Cinderela estavam ocultas naqueles trapos, por ser a criada submissa e boazinha da casa.

Mas Cinderela, como todas as moças de qualquer um dos tempos, cansou de ser boazinha e decidiu se vingar.

Aconteceria um baile funk na cidade, mas não aquelas pobrezas de festas, cheias de gente favelada. Era um baile funk de classe. Apenas as filhas de consideração do falecido, infame e corrupto político, as irmãs desnaturadas e oferecidas de Cinderela receberam o convite. Cinderela precisava de um plano para ir à festa, então, foi à gavetinha do escritório de seu pai e fumou um dos seus cigarrinhos de maconha escondida e começou a ver uma mulher que dizia ser sua fada madrinha. Ela dizia:

-Cinderela, sua sonsa, dá um jeito de roubar o convite de uma das pervas das suas irmãs e vá naquela diarista que tem um brechó e descola umas roupas de popozuda e manda ela fazer uma faxina nessa casa e botar na conta da sua madrastinha.

A visão desapareceu, mas Cinderela ainda ouvia uma risada que parecia de bruxa, e começou a agir.

No grande dia do baile funk, Cinderela, ou melhor, A Diarista, terminou rapidamente a faxina e entregou uma de suas melhores roupas do seu tempo de funqueira. Mas, o problema persistia: como Cinderela iria se livrar de uma de suas irmãs para pegar o convite? Dessa vez, não precisou dos cigarrinhos milagrosos do papai para ter uma boa iéia. Lembrou-se das pílulas que a madrasta tomava para dormir. E usou uma boa quantidade delas para adoçar o drinque preferido da irmã: suco de jurubebas com vodka. A malvada madrasta só havia concordado em deixar Cinderela ir ao baile no lugar de sua irmã pelo fato de poder ver Cinderela humilhada num baile tão chique com aquelas roupinhas ultrapassadas e porque para ir, ela precisaria de um carro para levá-la e trazê-la em casa até meia noite, coisas impossíveis para essa pobre garotinha. Mas, Cinderela não desistiu, iria de ônibus se fosse preciso. Quando a irmã estava saindo de casa para ir ao baile no carro de seu namorado, o Deputado Encantado e Cinderela estava a caminho do ponto de ônibus, ele, o Deputado Encantado, não se conteve com a beleza daquela moça: um rostinho sem cravos, um cabelo sedoso e brilhante que voava ao vento, um corpo perfeito, sem celulite e flacidez, um olhar brilhante e puro, um modo de andar muito natural e um belo par de sapatinhos de cristal que até ele gostaria de ter. Resolveu chamá-la para levá-la ao baile. Ela, sem maldade nenhuma para com a irmã, aceitou ir no banco da frente, ao lado do Deputado Encantado, enxotando a irmãzinha para o banco de trás. Sem maldade nenhuma, é claro. Pena que a irmã de Cinderela não pensava assim. Foi só chegarem ao baile, que ela armou um arranca-rabo com Cinderela:

-Garota ridícula e sem classe, você botou a irmã errada para dormir! Pensa que eu não sei que você está dando em cima do meu namorado, o Deputado Encantado?

Cinderela estava simplesmente adorando a inveja de sua irmã, mas ela não se esquecia de fazer a sua cara de vítima, e assim estava encantando a todos com seu jeito doce e suas roupas de funqueira dos anos oitenta. O Deputado Encantado chegou para acabar com a discussão e atacar Cinderela, com aquele papo mole pra boi dormir:

-Cinderela, me desculpe por esses transtorno todo por minha causa. Sua irmã sempre foi caidinha por mim, aliás, todas as garotas são loucas pelo meu charme, minha grana e meu carro conversível, mas apenas uma delas me chamou a atenção: você.

E Cinderela, muito dissimulada, diz:

-Mas, você não pode dizer isso se você ama a minha irmã...

O Deputado Encantado fala para todos ouvirem:

-Imagina, ela é só minha peguete!

A única reação da irmã de Cinderela foi um desmaio. E o príncipe, ou melhor, o nosso Deputado Encantado dá o seu ataque final:

-Cinderela, você aceita juntar os trapos comigo, se é que você me entende?

-É claro que eu aceito me casar com você! Aceito ganhar uma gorda mesada, um carrão do ano, ter empregadas para eu dar ordens... Aceito, meu amor, é claro que eu aceito!

E assim viveram felizes por alguns meses porque o Deputado se decepcionou ao descobrir que Cinderela era como as outras, que o seu sapatinho transparente era de plástico e que havia um par de chifres na sua testa. As irmãs de Cinderela até hoje estão de coma: uma por ter tomado dose excessiva de calmantes, outra, de coma alcoólico, por ter perdido o namorado na festa. E a madrasta? Esta depois de ter tentado roubar o marido de Cinderela e não ter conseguido e ter perdido todo o seu dinheiro no tratamento médico das filhas, resolve trabalhar como traficante de drogas, mas já morreu com um tiro em um confronto com rivais. Cinderela conseguiu o que queria, não é mesmo?

Moral da história: moral? Em uma história imoral dessas, você ainda quer aprender alguma coisa boa?

Janicris Rezende Januzzi
Enviado por Janicris Rezende Januzzi em 06/06/2007
Reeditado em 08/06/2007
Código do texto: T516446
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