Negócio da China

- Que bom te encontrar Cabeção! Acabei de ouvir o Ratinho dizendo que fez um “negócio da China”. Nada sei do que ele quis dizer com isso, estava pensando justamente em te perguntar e eis que você aparece no momento exato. Que sorte!

- Nada demais o que Ratinho acabou de fazer, Juninho. Ele fez apenas um bom negócio, pelo que acabas de me dizer. Tu sabes que o Ratinho é pra lá de esperto, pilantra igual ainda está por nascer. Desde menino, no jogo carteado vinte um, sempre trapaceava enganando os incautos. Lembro-me que nos dados vinha com os dele chumbados e só dava o número seis na mesa.

-Tudo bem, Cabeção. Porém ainda não consegui atinar onde entra o “negócio da China” que vocês conhecem. Tá difícil entender como um país como a China, tão longe, pode entrar nos negócio que fazemos aqui. Pode ser mais didático, por favor!

- Minha Santa Clara! Esta bem. Senta aí na beira do calçadão porque em pé cansa.

- Por exemplo: você quer vender um cavalo, aparece um cidadão disposto a fechar a compra. O cidadão começa examinar o cavalo e você num gesto de impaciência grita pra ele. O defeito ta na vista! O cidadão na pressa não presta atenção no que disseste ou entende outra coisa e, não vendo defeito algum, paga o valor acertado e vai embora feliz da vida. Lá adiante percebe que o cavalo é cego. Tu acabaste de fazer um “negócio da China”.

Outro exemplo: tens um barzinho e após dois anos a freqüência dos clientes começa a cair. O jeito é vender e se livrar do problema sem prejuízo. Aparece um comprador, tu chamas um grupo de amigos e no dia acertado da venda fazes um derrame de cerveja de graça e petiscos para todos. O comprador não sabendo da tua arapuca enche os olhos e fecha negócio contigo e tu, no ato, “cai fora”. Fizeste um “negócio da China”.

E se um governo cria um banco de fomento para pequenas e médias empresas e tu apresentas um projeto de uma fábrica de sapatos de imediato aprovado. Com isso pões a mão em dois milhões para implantação desta. Gastas 500 mil e o restante metes no bolso. A fábrica funciona por um ano, pedes concordata e “tu cai” fora pra Cancun. Isso é um “negócio da China”, mano véio. Entendeu?

- Não. Porque sempre entendi e vi meus pais dizerem que um bom negócio é quando ambas as partes ganham. O que acabaste de me dizer está eivado de leviandades, trapaças e muita malandragem. Nunca faria uma coisa assim porque tenho um nome a honrar acima de tudo.

- Tu nunca deixarás de ser um néscio e passarás a vida inteira mordendo corrente com este parco salário de funcionário público. Em que livro está escrito que um negócio termina empatado?Um ganha outro perde. Sempre foi assim desde o início do mundo e vens querendo mudar as regras do jogo. Ademais o perdedor não soube negociar. Onde está a culpa daquele que levou a melhor? Por acaso “tu vê” algum santo neste mundo? Se toca, mané! Cai na real que a coisa é assim e vai continuar.

Viste o imposto predial que não paguei por cinco anos e fiquei na moita esperando o novo governo eleito anistiar?Não deu outra. Babacas foram aqueles como você que pagaram certinho.

Já que falas com tanta ênfase em honra e respeito, vi você dando dois reais “por fora”, amaciando o açougueiro pra ele cortar um filé com pouca pelanca e um bom pedaço mole. Tu sabes que isso é obrigação dele. Vi também quando deste ao guarda de trânsito uma grana pra ele livrar tua cara de uma multa. Se não sabes, aí entra o corruptor e o outro se torna um corrupto. Tá tudo contaminado meu véio.

Agora me deixa ir ver minha negrinha lá no Alto do Calolé que ela adora fazer amor nas tardes de domingo, com um sol de inverno amoroso, brando e macio.

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Hei! Você que esta aí me ouvindo ou lendo, melhor dar uma olhada também na consciência pra ver se não tem um risquinho.