Na veia o sangue nordestino e o palhaço

O sujeito é desconfiado. Sempre dirige com os vidros do carro fechados, a 80 km/h, com um histórico de multas por ultrapassar o semáforo fechado. Em plena terça-feira, feriado nacional, ele saiu da reunião de amigos por volta das 22h30, entrou na avenida principal. Estava há pouco menos de 25 minutos de casa. Poucos carros, ônibus e caminhões trafegavam.

E muito menos pedestres.

Fazia cerca de 22 graus e muito pouca gente estava na rua.

O sujeito é tão desconfiado que carregava sempre contigo um revólver calibre 38 no porta-luvas, herdado do avô. Seu pai e seus irmãos não quiseram herdar o "ferro", mas de tanto ouvir histórias dos seus antepassados na roça e no nordeste onde o "cabra" tinha que ser macho quis ficar com ele, consciente de que estava desrespeitando a lei.

Não tinha coragem de atirar em ninguém.

Um sujeito de família, branco, 1,78m, cabelo castanho tipo soldado, pai separado, com um filho de 13 anos, que mora com sua ex-mulher de 34 anos, que tem a mesma idade que ele.

Ouvia U2 enquanto dirigia e pensava no trabalho do dia seguinte e não percebeu os ruídos que vinha do lado de fora do carro. Percebeu que havia algo errado depois que fez a curva e o carro perdeu levemente a estabilidade.

Fazia duas semanas que tinha comprado um jogo de 4 rodas esportivas para seu Honda Civic 2014 preto.

Não pensou duas vezes... Parou o carro numa rua um pouco deserta. No lado esquerdo um muro com mais de 70 metros de extensão fazia separação entre uma antiga siderúrgica e a calçada, e no lado direito pouca iluminação, uma calçada de terra batida e uma cerca que separava a calçada estreita de uma vegetação baixa.

_"Tô com meu três oitão aqui. Se alguém aparecer leva chumbo", pensou.

Colocou o ferro na cintura. Saiu do carro. Pegou o triângulo, a chave de roda e o macaco. Posicionou as ferramentas. Colocou força para desapertar o parafuso da roda traseira esquerda e gotas de suor começavam a escorrer na sua testa.

Meio cabreiro, olhava para cima e para baixo e para o lado direito em que tinha só mato e pouca iluminação. Foi inclinando o carro.

Distraído apareceu na curva oposta um carro com cores azul e branco, que logo percebeu ser uma viatura da polícia.

Ao se aproximar em velocidade lenta demais os policiais encararam o sujeito, mas não parou.

_"Para ajudar eles não ajudam não. Só querem ficar fazendo blitz pela cidade", pensou.

Com quase 80% da troca do pneu concluída, o sujeito ficou distraído em seus pensamentos e perdeu a noção do perigo naquela rua deserta que não passava uma viva alma há horas.

De repente, alguém cutuca as suas costas. Subiu seu sangue nordestino!

O sujeito deu um pulo pro lado e depois um pulo para trás depois de fazer um giro de 180 graus em milésimo de segundos. Era um palhaço, que parecia com aquele palhaço estranho e mal-humorado que ele tinha visto numa notícia compartilhada por um amigo do facebook há uns 50 minutos quando estava com seus amigos e tinha virado o comentário da turma.

No puro reflexo ele ergueu a chave de roda com a mão esquerda em posição de ataque e com a mão direita foi em direção a sua cintura, passou direto colocou a mão dentro do bolso. Tirou seu celular e falou para o palhaço:

_Vamos fazer uma self?

_Claro amigão.

_Vou postar hoje ainda no face.

_Me adiciona lá e me marca então: Palhacinho Solitário.

_Já é.

_Valeu.

_Valeu.

O palhaço seguiu seu rumo estrada adiante e o sujeito finalizou a troca do pneu em menos de 2 minutos, colocou as ferramentas no porta mala, entrou no carro, deu partida, ligou o som do U2 e foi embora com uma mão no volante e outra segurando o celular vendo se sua foto com o palhaço tinha ficado boa.

Anderson Heiz - 13/10/16

Anderson Heiz
Enviado por Anderson Heiz em 13/10/2016
Reeditado em 14/10/2016
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