CAMARÃO A PROVENÇAL OU MUDAR DE SEXO NÃO É PECADO

Refere a mitologia grega que havia um deus que tinha a figura do mais varonil dos homens. Alto, moreno, peludo, cabeludo, um verdadeiro terror para as mulheres.

E também para os homens pois era um formidável guerreiro e participava de todas as batalhas na linha de frente. Os adversários haviam desistido de tentar vencê-lo.

Era o protótipo, o exemplar perfeito do macho bem acabado e sucedido.

Entretanto, não se soube exatamente como nem porque, ele resolveu mudar de sexo e transformar-se em mulher. A idéia era totalmente inaceitável e extravagante naqueles tempos antigos.

Mas, alheio a todas críticas e conselhos, procurou Zeus que era, na época, o rei dos deuses, e formulou seu pedido.

A firme negativa divina não o demoveu da idéia. E tanto, mas tão insistentemente a defendeu, que acabou por conseguir o que queria.

Foi transformado em belíssima mulher. Linda e deslumbrante. Meiga, carinhosa, corpo escultural e extraordinariamente inteligente. Um verdadeiro modelo feminino. Casou, teve três filhos e demonstrou sempre ser mãe amorosa além de exemplar companheira.

O tempo passou. Chegamos ao quinto século antes de Cristo, na Grécia.

Os sábios discutiam todos os temas polêmicos que tivessem qualquer relevo.

Um deles desafiava os espíritos. Consistia em saber quem mais prazer sentia em fazer amor: o homem ou a mulher.

As discussões eram intermináveis. E não se chegava nunca a qualquer resultado.

Até que um dia alguém sugeriu consultar aquela personagem mitológica que encarnara igualmente bem ambos os sexos, sob o argumento que ninguém melhor que ela poderia dar mais segura resposta.

A idéia foi prontamente aceita. Uma comissão foi formada com a específica incumbência de procurá-la.

Ela os atendeu e ouviu com bastante atenção - mesmo mulher nunca deixara de ser um cavalheiro -. E soube dizer-lhes que a alentada questão tinha resposta fácil.

Quando todos terminaram de ouvi-la ficaram plenamente convencidos. Deram por finda toda a problemática para nunca mais renová-la por inteiramente satisfeitos.

Tudo porque não havia como duvidar daquela criatura todo especial a quem fora dado o privilégio de vivenciar ambas as situações.

Na culinária o mesmo se repete.

Há os que cozinham, os que apreciam comer e aqueles que se dedicam a ambas as atividades.

Pense num camarão a provençal.

É um prato estonteantemente gratificante.

Mas você só poderá degustá-lo e apreciar a verdadeira arte de um bom "chef de cuisine" se souber igualmente prepará-lo.

Por isso mesmo vale a pena aprender. Anote.

Quatro bons camarões graúdos descascados, mantida a cabeça e a cauda. Deixe-os imersos por alguns minutos em um bom vinho branco seco.

Passe-os levemente pela farinha de trigo. Sacuda para tirar o excesso. E, grelhe-os com um leve toque de azeite em uma frigideira, por três minutos de cada lado. Tempere e reserve-os aquecidos.

Um tanto mais de azeite na mesma panela. Frite, em seguida, alho micropulverizado em adequada quantidade até que adquira aquela inconfundível textura crocante e perfumada. Retire-o e disponha suavemente sobre os crustáceos que o aguardam.

Coloque mais azeite na frigideira e faça frigir uma porção de cogumelos fatiados. Logo em seguida acresça salsinha picada em igual quantidade. Junte arroz de boa estirpe, alvíssimo como de rigor e, cuidadosamente misture tudo.

Escolha um prato decorado: o arroz ficará ao centro e os camarões à sua volta.

Pronto! Agora você deve dar dinheiro para que as crianças possam tomar vários sorvetes. Prenda firmemente os cachorros, desligue a campainha, o celular e a droga daquela TV.E concentre-se na apoteótica iguaria à sua frente.

Esqueça os problemas e desventuras da vida mas permita que suas agradecidas papilas gustativas se embriaguem nesse nobilíssimo sabor.

Mas, principalmente perceba que apenas sendo um Picasso da cozinha você saberá reconhecer e distinguir, de forma plena e satisfativa, uma verdadeira obra culinária de uma estrumela mal preparada.

P.S. Várias pessoas me procuraram buscando maiores informações ou detalhes práticos para a feitura destes estupendos camarões.

Outros, todavia, só interesse demonstraram por conhecer a resposta da intrigante pergunta.

A estes últimos, órfãos em culinária, incapazes de distinguir um camarão grelhado de um ovo frito, melhor será adiantar de plano a solução. Para que não perturbem com suas questiúnculas o transe gustativo dos demais.

A personagem divina já referendada respondeu: está claro que é a mulher que sente mais prazer na prática do ato sexual.

Mas porque? perguntaram todos.

Porque a festa é na casa dela, foi a resposta que ouviram.

E nehum deles ousou discordar.