"SPAGHETTI ALLE VONGOLI" OU O ENCONTRO DE SAMARCANDA

O califa surpreendeu-se ao ver seu mais valoroso escravo aproximar-se correndo, lívido e assustado. E, mais indignado ficou ao vê-lo prostrar-se aos seus pés com o corpo inteiro a tremer.

- Conte-me o que houve, criatura.

- Meu senhor. Imploro-lhe. Empreste-me o mais veloz de seus cavalos.

- Sim. Mas por que motivo? perguntou o califa.

- Eu estava na feira a fazer compras quando encontrei a Morte. E ela, no meio da multidão, não tirava os olhos de mim, fixando-me seguida e demoradamente.

E procurando tomar fôlego, com voz entrecortada completou: - Tenho certeza que tem interesse na minha pessoa. Por esse motivo preciso fugir rápido para bem longe. Se sair a galopar agora e não parar, estarei chegando ao anoitecer em Samarcanda. Com certeza lá ela não me alcançará.

- Se for assim pode escolher o cavalo que quiser, disse-lhe o califa. E, desejando-lhe boa sorte, vi-o sair em desabalada carreira.

Mas, passados alguns momentos, o califa pôs-se a conjeturar. Induvidosamente era insolente e desrespeitosa a atitude dessa senhora que, em pleno domingo, punha-se a assustar seus escravos. E resoveu ir a feira para questiona-la.

Logo a encontrou. Aproximando-se dirigiu-lhe a palavra, indagando dos motivos da insólita atitude.

- É mentira tenha procurado assustar seu escravo, respondeu-lhe ela. Na realidade eu é que fiquei surpresa e desconcertada ao vê-lo tranqüila e despreocupadamente passear pela feira. É que tenho um encontro com ele hoje, ao anoitecer, na distante Samarcanda!

Esta singela lenda apenas enfatiza aquela irreversível inclinação de todo ser vivo para aquele momento final, do qual, desgraçadamente o homem, ao contrário das demais criaturas, tem plena consciência.

Bem por isso, enquanto vivos e nada podendo fazer em contrário para reverter esse quadro melhor será desfrutar a vida em toda sua plenitude. Ou quando menos degustá-la.

Porque se é difícil concretizar a maioria de nossos desarrazoados desejos e ambições, comer sempre foi muito fácil.

Em razão desse fato, procurando colaborar e enriquecer sua existência gastronômica, permito-me tecer comentários sobre uma iguaria que ninguém poderá, em vida, deixar de experimentar.

Cuida-se do "spaghetti alle vongoli".

Você precisará, inicialmente, cozer algo em torno de um quarto de quilo de macarrão. Procure obter aquele elaborado com farinha de primeira qualidade e acompanhe de perto seu cozimento para que não se transforme numa plastra mas adquira aquela textura tenra mas firme a que se convencionou chamar "al dente".

Enquanto o macarrão cozinha, faça frigir em azeite de oliva dois ou três dentes de alho pulverizado. Junte um copo de vinho branco seco e permita que o líquido lentamente se reduza por alguns minutos.

Acrescente algo em torno de uma xícara de võngoles sem casca e outro tanto de moluscos ainda com suas conchas. Estes últimos deixados de molho em água fria com sal por pelo menos uma hora e depois exaustivamente limpos em água corrente.

Não serão necessários mais que quatro ou cinco minutos para você verificar se todas as conchas se abriram. Retire as fechadas, prove e tempere tudo com sal e pimenta, acrescente o macarrão, pulverize salsinha picada e distribua o produto da alquimia em um prato aquecido.

Agora sente-se à mesa e procure servir-se sem demora pois esse macarrão come-se quente. E faça-o acompanhar de um bom vinho branco.

Você poderá degustá-lo calma e tranqüilamente. Lembre-se que não está em Samarcanda nem esperando visitas indesejadas.

Entretanto se sentir que nesse momento furtivamente batem à sua porta, não precisa ficar preocupado.

Se for a Morte, lembre-se que ela sempre existiu e não é tonta. Ela vai preferir sentar-se à sua mesa e compartilhar essa deliciosa pasta que você acabou de fazer.

Mesmo porque, ao que dizem - não a conheço -, ela é inexorável mas nunca teve pressa. E você, com certeza vai ficar para outra hora.