O Céu é Lindo!...

A história que vou contar agora para vocês aconteceu com um bom e saudoso amigo meu, o Raimundo, que naturalmente era Nonato, o cabra mais gozador que já vi na minha vida...

Tornamo-nos amigos desde os tempos de funcionários do Banco do Brasil, trabalhando em cidadezinhas do interior do Maranhão - quando éramos cachaceiros inveterados e freqüentadores habituais de puteiros - até a idade madura, quando se substitui tudo isso pelo pijama, chinelos, uma TV, filhos e/ou netos completamente malas, aporrinhando o juízo da gente, e uma mulher resmungona e chata, talvez já muito acima do peso, sempre a nos provar que se casamento fosse bom ninguém exigiria duas testemunhas para realizá-lo.

O meu amigo Raimundo Nonato era tão carga-torta que nos seus tempos de estudante no Rio de Janeiro, tinha uma fórmula infalível para arrancar dinheiro do seu velho, próspero comerciante em Campo Maior, no Piauí. Quanto estava financeiramente quebrado, acossado por dívidas, passava o seguinte telegrama para o velho:

“Voltarei Campo Maior fim mês pt Raimundo.”

Logo vinha a resposta:

“Não volte vg seguiu dinheiro BB pt Papai.”

Pois bem. Continuamos amigos, eu e o Raimundo Nonato, por toda a vida. A minha cachaça evoluiu para uma dependência química das mais brabas, de modo que tive que pendurar as chuteiras para o esporte de levantar copos. Raimundo Nonato continuou, entretanto, esvaziando dúzias de “louras suadas” nos fins de semana, sem maiores problemas, a não ser as costumeiras broncas da irritada esposa e das reclamações dos filhos, todos evangélicos fervorosos.

A mulher, por várias vezes, tentara convencer Raimundo Nonato a repelir a companhia de Satanás – com seu séquito de seguidores, principalmente as putas e os “amigos de copo” – e seguir os caminhos do Senhor. Raimundo Nonato, entretanto, que não acreditava no que não via e só acreditava na metade do que via, fazia ouvidos de mercador ao proselitismo religioso doméstico da mulher.

E aí aconteceu. Raimundo Nonato teve um derrame e prostrou-se numa cama de onde nunca mais se levantou. Fui visitá-lo por várias vezes e jamais o vi lamentar-se da má sorte. Ao contrário, continuava sempre piadista e gozador. Numa dessas visitas, ele me contou o que se passara entre ele e o Pastor Frazão, líder espiritual da igreja que a sua mulher e filhos freqüentavam.

Na última tentativa de recuperar para o rebanho do Senhor aquela ovelha desgarrada – a alma de Raimundo Nonato – a sua mulher pedira que o Pastor Frazão lhe fizesse uma visita. Ávido por conseguir mais uma conversão e aumentar a conta bancária de Jesus, o Pastor Frazão aceitou de bom grado a incumbência, mesmo sabendo que teria pela frente um dos pecadores mais renitentes e debochados do pedaço.

Para espanto geral, Raimundo Nonato aceitou pacificamente a visita do Pastor Frazão. Este entrou no seu quarto, com um sorriso bonachão, metido num terno preto e sobraçando uma volumosa Bíblia. Cumprimentou Raimundo Nonato e logo se pôs a falar entusiasticamente sobre as maravilhas do Paraíso. O doente fingiu ouvi-lo com interesse, mas, após alguns minutos, perguntou:

- Pastor, o que tem lá no Paraíso?

- Ah, meu filho! Só beleza, só esplendor! Se arrepender-se dos seus pecados e for para lá, será recebido pelas onze mil virgens, tocando trombetas!

- Onze mil virgens? - interessou-se Raimundo Nonato.

- Sim, onze mil virgens! Só beleza, só esplendor, assim é o Paraíso, meu filho!

- Pastor Frazão, o senhor acredita que, quando morrer, irá para o céu?

- Não tenho a menor dúvida! Sou um servo fiel do Senhor!

- Pois vou ajudá-lo a ir logo para lá, Pastor!

- De que está falando, meu senhor? - perguntou, desconfiado, o Pastor Frazão.

E tomou um susto enorme, porque Raimundo Nonato apontava um revólver calibre 38 para ele! Mantivera o trabuco escondido sob as cobertas e agora mirava diretamente para a cabeça do Pastor Frazão, que, horrorizado, balbuciou:

- Mas o que é isso? Está louco?

- Não, Pastor, estou querendo, antes de morrer, fazer-lhe este favor. O senhor é um homem puro, um santo, e se o Céu já lhe está garantido, por que permanecer por aqui, neste vale de lágrimas, convivendo com pecadores? Daqui a alguns minutos estará entre as onze mil virgens. Boa viagem, e lembre-se de mim quando entrar no Paraíso!

E engatilhou o revólver. Nesse momento, o Pastor Frazão deu um salto da cadeira e lançou-se porta afora, berrando:

- Socorro! Socorro! O homem quer me matar!

Foi um alarido dos diabos, enquanto Raimundo Nonato ria tanto que fez xixi na cama. O revólver estava enferrujado pelo tempo, sem nenhuma bala, mas, mesmo assim, dizem que o Pastor Frazão passou um bom tempo tomando calmantes para recuperar-se do susto.

Raimundo Nonato morreu uma semana depois deste hilário episódio, mas, com certeza, ainda hoje, esteja onde estiver, deve dar boas gargalhadas ao lembrar-se da peça que pregou no Pastor Frazão.

Eu também ainda me divirto muito com essa história, pois na verdade eu vos digo que a reação do Pastor Frazão veio comprovar a velha e debochada filosofia: “ Se para entrar no Paraíso preciso morrer, prefiro viver neste Inferno...”

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 01/09/2007
Reeditado em 11/09/2011
Código do texto: T634303
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