O BOM MALANDRO

Pedro Geleia era um garotão de 18 anos. Trabalhava na oficina mecânica de Zé Coió, como ajudante de mecânico, simplificando, ele era lavador de peças, um faz de tudo.

Muito alegre e comunicativo, Geleia era o que se chama hoje de boa gente, todos gostavam dele e assim vivia de bem com a vida.

Morava no bairro mais distante da cidade e cultivava um sonho, queria ter um terno de linho branco, um sapato de duas cores e um chapéu palheta.

Essa era a indumentária própria dos malandros freqüentadores da zona de meretrício.

eea vizinho de Geraldinho Bico-Doce, malandro de grande vivência que lhe aplicou as primeiras lições de malandragens:

-Olhe, Geleia! Primeiro você tem que arranjar a fatiota de linho branco, o chapéu palheta e os sapatos de duas cores - você já tem?

-Só tenho os sapatos, usados, mas em ótimo estado. Estou economizando Gera, daqui uns dias eu vou comprar o pano para fazer o terno.

-Muito bem! Quando chegar à hora você me procura e conversaremos mais. Você tem futuro Geleia, vai se dar bem, tenho certeza.

-Você acha mesmo Gera? Eu tenho panca?

-Claro que tem Geleia, meu olho clínico nunca falha.

Pedro Geleia foi trabalhar satisfeito. Já se via enfiado num terno branco, usando chapéu palheta e sapatos de duas cores, andando com gingado, perfumado e cercado de mulheres.

Dias depois Gelria voltou a procurar Geraldo Bico-Doce em sua casa:

-Gera já comprei o pano e mandei fazer o terno. Também comprei o chapéu palheta, agora eu quero que você me ensine o traquejo.

-Tudo bem, Geleia! Vamos começar pelo andar. Você anda parecendo um pato, precisa mudar. Deixe o corpo solto e balance os braços de acordo com o andar. Vire um pouquinho à cabeça para os lados, acompanhando os movimentos dos braços.

Geleia começou a desfilar no corredor da casa de Bico-Doce sob o olhar analisador do professor de malandragem.

-Como estou indo, Gera?

-Balance mais o corpo, Geleia; bota ginga neste andar. Comece de novo que está ficando bom.

Depois de muito treinar Geleia assimilou todo o ensinamento transmitido por Geraldinho Bico-Doce, o rapaz andava em passo de cisne real, era um verdadeiro malandro da Lapa.

O professor estava orgulhoso de sua obra, porém, precisava burilar o jeito de falar. Malandro que é malandro, tem o seu jeito próprio de se expressar. Pensou com seus botões:

-Geléia, você precisa aprender a conversar direito. Sente-se aqui perto que vou lhe passar algumas palavras que você tem que usar.

-Primeira lição, Geleia! Trate as mulheres de, minha uva. Mesmo que ela seja um abacaxi, diga que ela é, uma uva. Entendido?

-Claro Gera, chamarei todas de uva. Mas, por quê?

-As mulheres gostam de ser enganadas. Elas sabem que são feias e fingem acreditar que são bonitas, portanto, minta para elas. falou com sabedoria Bico-Doce.

-Aprendi Gera. Agora tem uma coisa que eu queria lhe pedir.

-Pode dizer, meu amigo.

-Eu queria que você me chamasse de Adolfo Valentino. Me apresentasse assim.

-Como? Adolfo Valentino?

-Sim, por causa do Rodolfo Valentino, o galã. Sabe como é?

-Ah! Entendi. Você se acha parecido com ele, não é?

-Mais ou menos - respondeu com um sorriso disfarçado.

-Você é preto, Geleia! Como pode parecer com o Rodolfo Valentino? Mas tudo bem, deixa pra lá.

Bico-Doce ensinou tudo a Geleia. Vestir, andar, falar, dançar, enfim, tudo que era indispensável a um bom malandro.

No sábado a noite Geleia vestiu a fatiota, colocou o chapéu palheta, calçou o sapato de duas cores e foi orgulhoso e sorridente para a zona boêmia.

A sua entrada no cabaré foi triunfante, com o gingado de cisne real, adentrou ao salão chamando a atenção da mulherada, ao passar por uma dama, parou fazendo pose e segurou levemente na ponta do queixo da garota, pronunciando em forma de sussurro, minha uva.

A luz em penumbra disfarçava uma discussão entre dois frequentadores. De repente, todos se afastaram rapidamente e ouviu-se um tiro. Geleia colocou a mão no peito e caiu. Tinha sido atingido mortalmente por uma bala perdida.

O paletó de linho branco, manchou-se de sangue no bolso, na altura do coração, como se fosse uma flor vermelha. De olhos ainda abertos, Geleia viu o amigo Geraldinho Bico-Doce se aproximar:

-Meu Deus! O que foi que aconteceu Geleia?

-Gera, meu nome é Adolfo Valentino. Você se esqueceu?

-Não meu amigo eu não esqueci. Respondeu com voz embargada o amigo Bico-Doce.

-Ah! Você também não me disse que aqui se usava revolver. Pensei que era só navalha, não me preparei.

Adolfo Valentino fechou os olhos e suspirou. A morte o levou tendo como tema um tango interpretado por Astor Piazzola e seu bandoneon.

O enterro de Adolfo Valentino foi presenciado por centenas de meretrizes e alguns malandros vestidos a caráter. Houve muito choro e até desmaios. Sinal de prestigio.

RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 27/09/2007
Reeditado em 05/07/2012
Código do texto: T670967
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.