O PORRE

Aos quatorze anos, meu filho chega pra mim e pergunta.

- Pai, o senhor já gazeou aula pra beber com seus amigos?

Olhei pra ele e me veio a lembrança junto com a resposta.

- Já meu filho, você não está fazendo nada que eu não tenha feito, mas assim como o que fiz teve conseqüências na minha vida, o que você está fazendo vai ter conseqüências na sua, você é jovem e vai aprender, da mesma forma que eu...

Meu primeiro porre foi aos dezessete anos, chorei feito um bezerro desmamado. Meu pai preocupado chegou pra mim e perguntou.

- Claudo você tá assim porque engravidou a Cely?

Respondi aumentando o choro.

- Não pai, estou assim porque ela me chifrou!!!

Primeiro chifre, primeiro porre, a gente nunca esquece...

Mas memorável mesmo foi o que agora vou lhes contar, esse foi o que fez eu controlar meus ímpetos de biriteiro.

Meado dos anos oitenta, São Luis do Maranhão...

Cheguei à casa do Ricardo por volta das dezenove horas. Ele conversava com Zé Mario sobre a festa na Associação dos Moradores do Cohatrac. Convidaram-me pra ir com eles e perguntaram quanto eu dispunha pra ajudar a comprar uma mesa.

Juntando o dinheiro dos três, dava pra comprar a mesa e tomar umas dez cervejas, o que era pouco pra seis horas de festa.

Resolvemos então procurar um boteco, assim cada um tomava uma dose de cachaça e com o combustível nas veias chegaria lá mais calibrado.

Encontramos um quase em frente a associação. Entramos e...

- Três doses. Pediu Ricardo.

- Mais três... Pediu novamente.

Quando a senhora vai colocar a terceira rodada, Zé Mario segura a garrafa de Pitu e fala:

- Deixa logo a garrafa em cima do balcão.

A partir desse instante a coisa começa a ficar animada. Detonamos a garrafa em poucos minutos, já ouvindo a banda dando os primeiros acordes na festa.

Pagamos a conta pra senhora e cambaleando miramos rumo a bilheteria. Chegando lá ao conferir o dinheiro, tínhamos gastado um quarto do valor da mesa, já que o dinheiro da cerveja era sagrado.

Resolvemos procurar alguém pra ajudar na compra da mesa, só não sei por que todos com quem falávamos, simplesmente viravam as costas, alguns até diziam.

- Tô nem doido!!!

Até que apareceu um cabra arretado com a namorada a tiracolo e falou:

- Compro se minha namorada entrar de graça.

Fomos nós pra bilheteria e o bilheteiro diz que não deixa e a gente pedindo pra deixar, a fila se formando atrás e assustando a namorada do rapaz. Até que o porteiro que conhecia o Ricardo o chamou e disse:

- Compra essa porra, que eu coloco ela pra dentro!!!

E a festa troando. Compramos, entramos, o casal sumiu e a gente demorou uma meia hora pra encontrar a mesa e só encontramos porque um garçom ajudou.

Ao chegar a mesa já estava ocupada com varias garrafas de cerveja que cobriam a numeração que nos dava direito a ela.

Bem sentados desfrutando do nosso direito estava quatro rapazes, que começaram a discutir com o garçom por este requisitar a mesma para aqueles a quem é de direito.

Um dos rapazes chamou o garçom de mal educado e o mesmo contrariando seu interlocutor disse:

- Meu amigo, eu sou estudante e estou aqui pra servir vocês, mas os rapazes compraram a mesa e tem direito a ela.

Ricardo que até então parecia anestesiado acorda, dá um murro na mesa que quase derruba as garrafas e grita:

- Estudante por estudante eu também sou estudante e por sinal universitário!!!

Eu e o Zé Mario puxamos nosso exaltado amigo, que não queria se acalmar, até que o garçom com uma sensata polidez consegue transferir a gente pra outra mesa, resolvendo a situação, mesmo contra a vontade do Ricardo que insistia que aquela era a nossa mesa e não deveríamos abrir mão dela.

Sentamos, Zé Mario foi comprar as fichas pra cerveja e não voltou. Ricardo foi ao banheiro e não voltou, eu fiquei ali sentado, grudado na cadeira, às vezes o garçom passava, olhava, perguntava se tava tudo bem, se tava precisando de alguma coisa. Até que apareceu meu primo Zé Júlio, sentou-se à mesa junto com seus amigos e haja cerveja, pediram um copo pra mim e eu tomando.

Zé Mario chega de repente e deixa na mesa uma loura com um par de olhos verdes que pareciam duas lanternas cegando minhas idéias, ele diz que vai ao banheiro, e deixa aqueles olhos que ficam me encarando e eu gostando. Até que ela diz:

- Cara você devia ir pra casa.

- Por quê? Pergunto.

Ela passa a mão na minha testa e diz mostrando a mão pingando com meu suor:

- olha a sua situação... Zé Mario chega e leva a loura, que foi, mas deixou meu orgulho ferido.

A banda começou a tocar musicas do Alceu Valença, “Anunciação” me despertou, levantei da cadeira quase em transe, foi quando vi uma negra linda, ela se destacava também pela altura, num ímpeto quase descontrolado fui na sua direção e começamos a dançar “Como Dois Animais,” Quando estava começando a colocar a cabeça na “Manga Rosa” que de rosa não tinha nada, ela me olhou do segundo andar e disse com certa candura:

- Meu filho, você é muito saliente... pena que está nessa situação, você parece ser gente boa, vou levar você pra sua mesa porque não estou mais com forças pra lhe arrastar e tenho até receio que você desmaie antes de chegar lá.

Mais uma vez o orgulho ferido.

Fiquei ali sentado. Nessa altura não entrava mais nada, nem um golinho de cerveja.

Por sorte Zé Júlio me chamou pra ir pra casa com ele.

Chegando a Tia Francisca armou uma rede pra mim no alpendre, mal deitei a tia me chama.

- Zé Claudo!!!

- Qui foi tia?!!

- Meu filho venha tomar café

- Mas tia, acabei de deitar...

- Meu filho você chegou quatro hora da madrugada, já são nove horas da manhã, o sol tá queimando sua cara...

Levantei com o mundo girando, o estomago gritando, cabeça latejando, passei o dia vomitando.

Anoiteceu, fui à casa do Ricardo. A mãe dele me recebeu com aquele ar reprovador que somente as mães sabem dar. Precisava nem falar, mas falou.

- Bonito, muito bonito, o Cohatrac inteiro tá comentando o que vocês fizeram ontem à noite. Como é que uns rapazes bonitos como vocês se prestam a um papelão desses!!!

Falei pra ela com olhar de desespero.

- Dona preta, vomitei até a água que bebi hoje...

Disse sentindo as náuseas voltarem.

- E o seu amigo? Chegou de manhã quase oito horas e não saiu do quarto até agora. Você tem dinheiro? Perguntou como se já soubesse a resposta...

- Não gastei todo ontem na festa. Disse meio que encabulado e lembrando que Zé Mario tinha ido comprar as fichas pra cerveja e não trouxe nenhuma.

- Pois pegue esse aqui e vá comprar dois antiácidos. Diz me entregando uma cédula de cinco mil cruzeiros. Fui comprar, voltei entreguei pra ela junto com o troco, ela colocou as duas sonrisal em um copo e disse.

- Beba todo, depois vá ver se seu amigo ainda tá vivo enquanto faço um caldo pra você.

Bebi com receio do estomago recusar, depois abri a porta do quarto do Ricardo, taquei o dedo no interruptor, quando a lâmpada acendeu, veio o grito.

- Porra!!! Apaga, apaga, apaga!!!

Apaguei e deixei a porta meio entreaberta, sentei ao lado dele na cama e perguntei.

- Cara você sumiu, onde se meteu durante a festa? Ele sem nem abrir os olhos respondeu.

- Sei lá, só sei que acordei de manhã deitado na beira da piscina com o braço dentro d’água e o zelador da associação me pedindo pra acordar.

Nunca mais vi o Zé Mario, me disseram que voltou na mesma semana pra Piripiri sua cidade natal, terra do meu grande amigo Jorge Mello.

Um mês depois fui convidado pra uma palestra de um pessoal que estava criando um grupo de jovens. Ao chegar me deparo com aquela deusa de ébano vindo ao meu encontro, ela olha de cima e pergunta...

- Baixinho, tu já aprendeu a dançar? Respondo.

- Não encontrei ainda quem se dispusesse a me segurar na hora que eu errar o passo. Ela diz.

- Posso ser essa pessoa, se você não estiver embriagado.

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 08/04/2020
Reeditado em 08/04/2020
Código do texto: T6910137
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