PALAVRAS CRUZADAS

Quando jovem, era viciado em palavras cruzadas: fáceis, médias, difíceis, devorava tudo. Pegava de livros, jornais e revista. Mas, com o tempo, o entusiasmo foi arrefecendo, arrefecendo, até acabar por completo.

Anos depois, eu estava em um ônibus com a turma do time de futebol do Cerrado Esporte clube, com destino a Nova Serrana, onde iriamos fazer um jogo amistoso. Notei que a meu lado, do outro lado corredor, um dos colegas estava tentando resolver um problema de palavras cruzadas, apesar dos solavancos do veículo na estrada ainda de terra. Comentei com ele como eu fora viciado em palavras cruzadas.

Como teria prova de física na segunda-feira, matéria que eu abominava, levei o livro para ver se estudava um pouco. O rapaz me falou:

-Esta aqui é das difíceis, me ajude aqui.

-Pode falar, disse, fechando o livro.

-Altar de sacrifício?

-Ara.

-Sapo amazônico?

-Aru.

-Doença provocada pela solitária?

-Cisticercose.

-Rei persa que derrotou Leônidas nas Termópilas?

-Xerxes, com “Xis” duas vezes.

Autor da teoria do reflexo condicionado?

-Pavlov, P-a-v-l-o-v, tive que soletrar.

-Rei babilônico que enlouqueceu passando a viver como animal?

-Nabucodonosor.

-Doença provocada pelas fezes de pombos?

-Criptococose. Esta também tive que soletrar.

-Sabe muito, hein, cara?

-Obrigado, mas agora me deixe estudar, tenho prova amanhã e o trem tá ruço pro meu lado, disse já arrependido de ter tocado no assunto.

Mas meu pedido não adiantou, volta e meia ele interrompia meus estudos, parecia que o problema não tinha fim.

Após várias interrupções, eu já irritado, falei:

-Caraio! Vai me deixar estudar ou não?

-Tá acabando, tá acabando...

E foi fazendo mais perguntas. Até finalmente falou:

-A última, a derradeira, a derradeira.

-Oh Glória, Deus existe...

-Antropófago?

-Canibal.

Não contive um suspiro de alívio quando ele fechou a revista e a guardou na sacola junto com o material esportivo.

Pensei que meu tormento tinha acabado. Ledo engano: O rapaz do banco da frente, virou-se e perguntou:

--Antropófago, canibal, o que é isso?

Quase surtando, respondi rispidamente:

Ah, é homem que come homem.

O colega que estava sentando a meu lado, oriundo do norte de Minas, disse:

-Engraçado, lá pelas minhas bandas, homem que “come” homem, é chamado de “Bofe” ou “Fanchona”...

Depois de tudo isso, nem preciso dizer que tirei nota baixa na prova...

***

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 06/08/2021
Código do texto: T7314908
Classificação de conteúdo: seguro