A Mulher Fantasma da Ilha Fit - capítulo I - O Naufrágio

Meu nome é Macartúrio, e a estória que vocês talvez lerão (se quiserem continuar) passou-se realmente na minha vida, num passado que se tornou remoto, malgrado o fato de que estou envelhecendo. Caso creiam nela, estará bem, porque sei que não é algo em que se crê facilmente. Se não acreditarem, porém, a mim pouco importa. Já contei esta estória muitas vezes e eu mesmo vou acreditando cada vez menos nela à medida que me passam os anos. Escrevo-a agora porque um certo amigo meu de quem ainda ouvirão falar, Juvenal, importuna-me sempre para que relate esses fatos. O canalha não o faz ele mesmo por preguiça, creio, mas ao mesmo tempo que não escreve por si próprio, cada vez mais me importuna para que eu registre como nos conhecemos. Diz que quando estivermos totalmente esclerosados esta memória será nossa distração nos ócios de cadeira de rodas dos asilos, e assim mataremos de inveja ou espanto os outros velhos, sobrando-nos mais tempo e atenção das enfermeiras. Pode ser que ele esteja certo, como eventualmente acontece. Assim aqui está. O que eu diminuí foi para que não me tivessem mais ainda por mentiroso. Não sou um romancista e não tenho paciência nem intenção de me estender nesta narrativa. O linguajar não é o mais adequado a um baile de salão, pelo menos um dos de antigamente, mas é o linguajar dos personagens e lhe serei fiel. Tampouco sou moralista, ensaísta ou filósofo, e com esta introdução já gastei todos os meus recursos estilísticos. Em bom português: Vamos em frente com esta merda.

Quando eu era jovem nunca tive convicções a respeito de nada. Fui sempre levado pelas circunstâncias, e jamais me ocupei das questões da existência. Apenas vivia e achava que fazia muito. Certa época decidi que queria viajar, conhecer novos lugares, e arrumei emprego como ajudante num pequeno cargueiro. Assim saí de Recife, Pernambuco, Brasil, cidade portuária e marinha, minha amada (um amor cheio de ódios, incompreensões, ciúmes e traições) e sofrida terra natal, e durante meses viajei pela costa brasileira. Passado um tempo as viagens se estenderam até a América Central, e eu gostava daquela vida, conhecendo portos, pessoas, cidades, mulheres. Estávamos voltando de uma dessas idas ao Caribe, quando fomos colhidos por uma tempestade. Seguíamos rotas extravagantes e evitávamos sempre autoridades policiais, pois transportávamos mercadorias de um lado para o outro para algumas pessoas que tinham uma interpretação muito própria das leis do comércio internacional. Quando a procela nos atingiu não sei bem onde estávamos, e talvez nem o capitão soubesse. Durante um dia e uma noite balançamos ao sabor das ondas mais violentas que eu já vira. Lembro como se ainda estivesse de pé no convés da maior muralha de água que vocês poderiam imaginar erguendo-se na escuridão, e literalmente pondo o barco de cabeça para baixo. Mergulhei desesperado, agarrado apenas a uma bóia, e estive quase a me afogar. Fiquei assim durante horas, até que perdi os sentidos, congelado e aterrorizado.

Quando acordei havia à minha frente uma praia, e o dia clareava. Ainda chovia torrencialmente, mas a violência da tempestade cedia. O mar me levava na direção do que era aparentemente uma ilha, e em algumas horas eu estava chegando a ela. Caminhei pela areia, encharcado e exausto, e adormeci sobre umas palhas de coqueiro caídas, indiferente à chuva que me fustigava.

Quando acordei meu corpo estava quase enxuto, e um sol tropical me ardia nas costas. Levantei-me, zonzo, e fui lentamente para a beira-mar. Via-se bem longe no horizonte, sem sinal de qualquer movimentação humana. Apenas gaivotas e o mar ainda revolto, violento. Nenhum navio, nenhum destroço, nenhum outro náufrago, nada. Para um lado e para outro se estendia uma longa faixa de praia branca totalmente deserta. Estaria eu só? Estaria no continente? Numa ilha? Escolhi uma direção ao acaso e comecei a caminhar, em busca de auxílio para o meu infortúnio, mas ainda contente de ter sobrevivido ao pesadelo. Eu não pensava que tivesse saído do pesadelo para iniciar um sonho enlouquecido.