A Mulher Fantasma da Ilha Fit - Capítulo V - A Pajelança

Durante o dia ficaram todos muito inquietos. Mesmo assim não suspeitei de nada. Meu amigo Maúr ficou particularmente melancólico. Um dos nativos me disse que ele naufragara havia muito tempo, numa nau chamada Móvel ou algo parecido, e fora parar ali. Às vezes ficava macambúzio, torturado pelas saudades da família distante. Ele deixara mulher e filha no continente. Eu já o ouvira falando sozinho durante a noite: Oh, Sauzânia... Que saudade meu amor! - E então passava horas olhando o céu. Aproximei-me tentando dar-lhe algum apoio:

- Saudade de casa, velho?

- Saudade de minha filha, minha mulherzinha querida...

Depois descobri que no país de onde ele vinha, as mulheres eram geralmente altas, fortes e de seios fartos. Firmes no falar e no agir, mas tinham o mau costume de bater nos maridos pra espantar o tédio.

- Ela te batia?

- Mas era só quando eu entrava em casa sem limpar os pés. - e tinha uma expressão sonhadora.

- Mas machucava?

- Não houve uma vez em que eu desmaiasse e em que ela não me socorresse depois de não mais que duas horas. Uma santa mulherzinha... Se os três baldes dágua não resolvessem ela via que o negócio era sério e me levava numa emergência. - e coçou uma cicatriz no queixo com um sorriso embevecido.

- Jesus Cristo! E depois? Ela te tratava melhor?

- Era uma santa! Assim que chegávamos do hospital ela ia, ela mesma, até a cozinha. E trazia o rodo já pronto pra eu enxugar a casa. - e derramou uma lágrima de comoção.

Baixou a cabeça, envergonhado, e voltou a sorrir com ar sonhador.

- Credo... - disse eu, e saí de perto.

Na tribo havia um engenheiro florestal, metido a pajé. Durante o dia ele pegou umas folhas que depois distribuiu entre todos nós, e orientou:

- Isso aqui missifio, é folha pra banho purificatório. Toma banho pra purificar corpo que esta noite teremos ritual, pajelança sagrada pra atrair espírito de mulher-fantasma. E essa aqui é sua senha pro sorteio...

- Que sorteio, pajé?

- Como ninguém aqui lembra mais como é mulher mesmo, missifio, pajé vai convencer mulher fantasma a baixar em tronco de árvore sagrada e fazer sexozinho gostoso com membro sorteado da tribo...

- Mas vê aí pro sorteio ser honesto, hein, pajé?!

- Pajé agarante missifio! É um papel para você e um pra mim!

Depois vi que o safado do pajé dava mesmo um papel pra cada um e um pra ele mesmo, que canalha! Mas como eu ainda lembrava como era mulher não me incomodei com o sorteio, porque o tronco da árvore era muito reto, feio, tava muito caído...

À noite nos reunimos em volta da fogueira. O pajé havia pintado o rosto com uma tinta verde meio fosforecente. Perguntei se havia algum motivo especial pra usar aquela cor, e ele explicou que não encontrara a árvore sagrada cuja casca produzia a tinta ritual secreta, por isso usara uma caneta de marcar texto mesmo. Após um silêncio profundo, o pajé ergueu os braços para os céus e orou:

- Mulher fantasma da cintura fina e das coxa grossa.. eu te ordeno... Aparece rapaiz..!

E o coro respondia:

- Apareça minha fia que a tribo é de paz...

O pajé continuava:

- Mulher fantasma da cintura fina e das coxa grossa... Eu te ordeno... Aparece rapaiz..!

E o coro respondia:

- Apareça fia que eu tô precisado demais...

Ficamos nessa ladainha dos infernos quase duas horas, meus amigos! Finalmente acabamos desistindo. O pajé já todo suado e nada do fantasma baixar. Juvenal estava revoltado:

- Merda! Duas horas aqui pra nada! Esse pajé num tá com nada. Quer saber de uma coisa? Eu vou ali no riacho que é o melhor que eu faço!

E lá se foi o infeliz botar a mão dentro dágua.

Eu havia depositado alguma esperança na pajelança, até porque é uma rima difícil. Mas com o fracasso dela, fui dormir resolvido. No dia seguinte começaria minha busca. Tinha que ter certeza que a mulher fantasma residia realmente no além.