O HOMEM FORTE

Por indicação política, determinado cidadão assumiu a Presidência de estatal de segunda linha. De espírito extrovertido, fazia questão de demonstrar a todos a dimensão do prestígio de que gozava junto às mais altas autoridades da República. Tinha o hábito de falar em voz alta, distribuir tapinhas nas costas e ostentar o sorriso largo dos felizes.

Assim, no primeiro dia de trabalho, no dia seguinte à sua concorrida posse (1), ao se certificar da presença da secretária na sala contigua, passa a mais uma demonstração de sua força, telefonando para o Presidente do Senado, a quem dizia: “Veja bem, Senador, durante o último churrasco no Torto (2), falei para o Presidente que, a despeito da posição contrária de nosso Ministro, esse empréstimo junto ao Banco Mundial é fundamental para viabilizar os projetos que temos para o setor e já obtive seu sinal verde. Por essa razão é que já na próxima quarta-feira estarei indo a Washington e Nova York para ultimar os termos do acordo. Daí a importância de eu ter absoluta certeza de que teremos o aval do Congresso e peço seu empenho pessoal para o caso.”

Nesse momento é interrompido por D. Magali, a Secretária, que lhe informa que tem um cidadão na Recepção à sua espera. Pede, então, que aguarde um pouco, porque está tratando de um assunto importantíssimo e que, enquanto isso, lhe sirva água e cafezinho. A seguir retoma a palavra com o Senador.

- Sim, sim, Excelência. Mas não se preocupe com a posição do Ministro. Quem está lhe fazendo esse pedido é o próprio Presidente da República através de meu intermédio. E tem mais! É assunto de Segurança Nacional! Agora vou lhe informar algo muito importante, mas em “off”, ok? O Ministro está vivendo uma fritura, devido à sua inoperância e já fui sondado para ocupar o cargo, mas reluto. As forças de lobby fazem tudo para obstruir nosso trabalho. Como sou de temperamento explosivo, posso mandar todo mundo à merda e acabar comprometendo a imagem do Governo e é exatamente isso que quero evitar. Entendo que aqui serei mais importante para o país, mas o Presidente teima em me fazer Ministro. Em todo caso...

- Perdão, doutor, interrompe mais uma vez D. Magali. O moço está com muita pressa e...

- Ok, ok, mande-o entrar!

- Olá! Como vai meu filho? Tudo bem? Sente-se aí que já lhe atendo.

- Então, Senador. Posso ficar tranqüilo quanto à posição do Congresso nesse caso? Afinal, está agendada uma reunião com o Candessus (3), onde discutiremos o impacto dessa operação no estoque de nossa dívida externa. Vossa Excelência sabe como são essas coisas....

- Ok, perfeito, perfeito. Então, agora mesmo vou ligar para o Figueiredo (4) dando-lhe as boas notícias. Um forte abraço. E apareça lá em casa para jantar. Isabel e eu teremos imenso prazer em receber o querido casal. Até lá!

Terminada a conversa, desliga o telefone e se dirige ao rapaz.

- Pois não, meu filho, o que deseja?

- Nada não, doutor. Sou da telefônica e apenas vim ligar seu aparelho. Onde quer que o instale?

(1) Além do Ministro da área, estavam presentes vários parentes próximos e distantes, companheiros de bar, de carteado e da igreja da mulher, entre outros.

(2) Granja do Torto, residência oficiosa do Presidente Figueiredo que quebrou o protocolo, visto que a da Presidência da República é o Palácio da Alvorada.

(3) Michel Candessus, então Gerente-Geral do F.M.I.

(4) João Baptista de Oliveira Figueiredo, Presidente da República.

HISTÓRIAS DA CORTE

Dom AFONSO
Enviado por Dom AFONSO em 09/12/2007
Código do texto: T771173
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