Desgraça pouca é bobagem...

Tem gente que dá sorte e tem gente que dá azar. Você acredita nisso? Então, leia esta história.

Quando Juvêncio nasceu, numa cidadezinha do interior do Maranhão, uma parteira quase cega por pouco não cortou-lhe o bilau, acreditando ser um prolongamento do cordão umbilical. Por isso, o seu instrumento de trabalho ficou para sempre danificado por uma cicatriz grande e feia.

Ao Maranhão não chega nada, nem mesmo guerra, mas, quando tinha 18 anos, em idade de servir ao Exército, Juvêncio acreditou nos boatos que diziam que toda a brava rapaziada maranhense iria lutar contra os alemães na Itália, pois o ditador Getúlio Vargas acabara de declarar guerra aos países do Eixo. Depois de meses num dilema cruel, com medo de se apresentar e ser convocado para a guerra, mas com medo também de ser considerado insubmisso ao Serviço Militar, optou por uma solução drástica: cortou o dedo mindinho, foi para o exame médico e o dispensaram como incapacitado físico. Dois dias depois, a Alemanha se rendeu aos aliados e acabou a guerra, ficando Juvêncio com um dedo a menos para sempre e inutilmente.

Na década de 60, desejando ser professor, já no Rio de Janeiro, Juvêncio se formou em Latim, numa Faculdade de Letras. Meses depois de formado, enquanto procurava colocação para lecionar nos colégios locais, o Latim foi considerado Língua morta e teve o seu ensino oficialmente extinto nos estabelecimentos escolares do Brasil.

Abandonando de vez o projeto de ser professor, Juvêncio comprou um carrinho e passou a ganhar a vida como chofer de táxi. E foi aí que a porca torceu o rabo.

Numa noite escura e chuvosa, Juvêncio levou três homens lá para os lados de Jacarepaguá. No meio da estrada deserta, os homens anunciaram o assalto. Levaram-lhe o carro, deram-lhe umas coronhadas na cabeça e ele foi deixado, amarrado e só de cueca, à beira da estrada. Não passava viva alma, carro nenhum, e Juvêncio lutou, forcejou e, finalmente, conseguiu desamarrar-se. Olhou para os lados e divisou por entre o matagal uma luzinha de uma casa distante. Aflito por conseguir ajuda, tonto pelas coronhadas, correu em direção a essa casa e bateu alucinadamente à porta. O dono da casa, um mulato alto e forte, assustou-se com um desconhecido esmurrando a porta da sua casa em altas horas da noite; saiu pelos fundos com um grosso porrete e enfiou-o nas costas de Juvêncio que, para escapar da fúria do mulato, voltou correndo para a beira da estrada.

Corpo moído de pancadas, tiritando de frio, Juvêncio, de repente, viu os faróis acesos de um carro que se aproximava. Correu para o meio da estrada, gritando, desesperado:

- Parem! Parem! Por favor, me ajudem!

O carro parou e alguém lá de dentro gritou:

- Olha aí, não amarramos o cara direito!

Era o seu táxi roubado, com os mesmos assaltantes. Deram-lhe outra coça e o amarraram de novo. Mas, dessa vez, bem mais firme.

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 12/12/2007
Reeditado em 13/09/2008
Código do texto: T775262
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