O Fuscão Paraguaio

O Fuscão paraguaio

Givanildo sempre sonhou em ter o seu carango, mas as despesas com a sua volumosa prole sempre o impediram de passar da condição de humilde pedestre à dos privilegiados proprietários de automóvel ou de 'alguma coisa com rodas que anda”, o que estaria mais de acordo com o nosso felizardo. Economizou o dinheirinho suado em seus 'bicos' na Praça da República, não fez a “fezinha” e deixou de comprar aqueles cds de 1 Real para juntar uns cobres. E toca lá pra agência.

O dono do 'estabelecimento' estava na porta, apoiado na parede, olhando o céu, como se pensasse “ vai chover hoje ou vai aparecer algum trouxa nessa piroska???”

--O senhor é o dono daqui?

Pronto, apareceu; é esse!--Pois não, amigo, em que posso servi-lo? ( Quando eles vêm com esse papo, lá vem bomba!Bum!)

--Eu tava afim de um carrinho, não muito novo, né, cê sabe, grana curta e nem muito velho

O vendedor pensou com seus poucos botões da camisa: “ Cada Zé- Mané que me aparece por aqui; esse não tem um gato pra puxar pelo rabo ! “-miauurr! “Droga, pisei no rabo do Mimi!”--Quanto cê; tem?

--Tenho umas moedas; conta aí, faz favor!

O vendedor teve vontade de mandá-lo pra Pindamongambaga da Serra, mas aí acendeu uma lampadinha; lembrou daquele Fusca; ano 53, todo “baleado”, olhou pro canto da loja e , eis que vê uma coisa coberta de ferrugem e toda desconjuntada, uma roda meio torta, um farol rachado,cor- de- burro quando foge, o burro , no caso era o nosso dito cujo,o Givanildo.

--Tenho um negócio quente pro cê!

--Negócio bom, né? Tô precisando de um carango .Cê sabe, dar uma voltinha com a patroa e as crianças, ir a mercado, festa ; tudo a pé não dá!

--Mas é claro, meu amigo-disse, dando uns tapinhas nas costas daquele candidato a motorista; teto ele já tinha, dando um jeito, fazendo um suado “puxadinho” no terreno da sogra; o duro era ter que agüentar seus impropérios; agora estava melhorando de vida e de estatus- esse aqui é dos bons, só tá meio largadão, mas o dono não cuidava muito; é só dar umas ‘garibadas”

Givanildo olhou incrédulo a montanha de sucata que queria lhe empurrar – é isso aí?

Contrafeito, o vendedor já via o seu fim-de-semana em Cidade Ocian ir pras cucuias-É!!Tá meio baleado, mas chegou ontem de Assuncion; é importado; montado lá mesmo com peças de sucata daqui!

-Mas é isso que eu queria!-Ufa!- Suspirou Anacreonte, o nosso vendedor com nome de filme épico-Tá feito; vou levar. Dá pra testar?

Depois de uns dez minutos, lá vem o vendedor com a chave do carango; Givanildo exultava; sairia enfim de sua humilde condição de pedestre para um classe mais elevada-daqueles que , mesmo precariamente, podem se mover de uma forma mais suave sobre o asfalto, o que não era pouco para ele, sempre tão relegado a um segundo plano.Pagaria a "máquina" em prestações a perder de vista financiadas pela Urubupungá Financeira S/A. Eis que o motor ruge, tosse, apaga e liga de novo.

-Deve ser a bateria; vou te dar outra de brinde, recondicionada.

E eis que sai nosso herói, agora motorizado, ou mais ou menos isso; acena para um conhecido, morrendo de inveja (será ou teria rido?) Não importa, agora rolava pelas ruas; rolava mesmo, pois um dos pneus soltou; logo depois os amortecedores batiam na lataria velha e teve que empurrá-lo, com a ajuda dos amigos, umas três vezes até chegar ao casebre. A mulher e os inúmeros filhos pularam de alegria e o auto foi colocado na garagem , onde ficou parado , enferrujando ao relento, feito um troféu pela sua nova condição de "pedestre motorizado" .