Deu Bode

Juca era desses pecuaristas do interior de Minas, lá das bandas da divisa com a Bahia. Quando na cidade, sempre ia à desforra com a bebida e diziam que esta lhe aguçava o tirocínio, talvez pela impetuosidade etílica diante dos riscos. A bebida faz destas coisas, dizem que é só apostar pra ver.

Quando esteve em Belo Horizonte, hospedando-se no apartamento de sua metódica e provinciana cunhada, este, entre uma cerveja e outra, acompanhado do seu concunhado, foi esbarrar no Mercado Central - um local de referência para os belorizontinos e onde se concentram os bodegueiros da cidade. Lá, a cerveja, guiada pela boa pinguinha mineira e pelos variados e apreciados tira – gostos, deixavam todos à vontade, na maior descontração. Como a bebedeira não parava e o temeroso concunhado, Clacáu, já começava a prever o estado em que poderiam chegar em casa, o esporro que tomaria da sua mulher, e coisas assim, fracassou em todas as tentativas de demover o Juca do boteco e voltar para casa. Este, por sua vez, já enturmado, justificava, após cada tentativa do Clacáu, que não sairia dali enquanto não acabasse, e nunca acabava, de degustar o delicioso tira-gosto de cabrito na cachaça, que lhe serviriam, sabia-se lá a que horas, restando ao prudente Clacáu partir sozinho. Chegando ao seu apartamento, lá pelas quatro da tarde, sua comedida e reservada esposa, que esperava o marido e o cunhado para o almoço, tudo em nome do respeito à família e à tradição mineiras, manteve-se imparcial, durante um diálogo mudo, de expressões apenas, que misturavam indignação com desconfiança, enquanto o comportado marido almoçava por sacrifício próprio, evitando qualquer deslize que demonstrasse estar entupido das comilanças do botequim.

Clacáu podia imaginar, entretanto, o que pensava a sua mulher, afinal ela odiava qualquer tipo de bebedeira, e as comemorações na sua casa, que, quando raramente aconteciam, eram regadas a refrescos e suquinhos, sendo que até os refrigerantes gaseificados não gozavam ali de boa reputação.

A Marta gostava de ter tudo sob controle. A sua casa era um espelho, a sua relação com os vizinhos era extremamente formal e ela repreendia, sempre com a sua maneira delicada e ofendida, qualquer exaltação, fosse até uma comemoração de um gol em final de campeonato!

Após algum tempo de repouso, Clacáu e Marta perceberam um tumulto à porta do apartamento. Indo até lá, depararam com o Juca que puxava um bode com uma corda, o que levou Marta às raias de uma síncope, tendo esta que se amparar nos umbrais da entrada, não se sabendo bem se para não cair ou, instintivamente, por um gesto de desespero, para impedir que o bode entrasse sala adentro.

Juca, ninguém precisava explicar a que altura se encontrava. O bode, coitado, após ter patinado a beça no piso frio do hall do prédio e de ter sido enfiado na marra num elevador até o desembarque no décimo andar, encontrava-se mais alto que o Juca. O Clacáu não sabia o que fazer. A Marta, de braços abertos, que nem Cristo crucificado, em desespero, não encontrava uma solução para aquela situação, não conseguia, sequer, sugerir qualquer coisa, pois não via como acolher o bode, colocá-lo de volta no elevador ou descer com ele pelas escadas, pois os vizinhos … Oh, Santo Deus ! Os vizinhos! Caiu desmaiada de vez, quando o Juca anunciou que trouxera o bode para assá-lo, assim que o sacrificasse na área de serviço de seu apartamento.

Levaram a Marta para o quarto, puseram a bode na área de serviço, não para matá-lo, mas para não se chamar a atenção dos vizinhos, até que encontrassem uma solução, apesar da insistência do Juca, que via no esquartejamento do animal a solução mais “prática” para desaparecer com o bicho.

Marta saiu de órbita por mais de 12 horas, mantendo-se confinada no quarto após um longo desmaio seguido de forte enxaqueca. No dia seguinte, passado o fogo do Juca, arranjaram um gradil de madeira, coberto com lona, onde enfiaram o bode e o baldearam de volta ao Mercado Central, pelo elevador, em horário vigiado e às ocultas.

Dizem que a Marta, desde então, passou a sofrer da Síndrome do Bode, digo, de Pânico, e que um pequeno “meeeeeeé” lhe causa terror.

Di Amaral
Enviado por Di Amaral em 13/01/2008
Reeditado em 27/03/2012
Código do texto: T814848
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