Reencontro com Jamel

Meia-noite. Encontrara um antigo amigo no bar, o Jamel, e, entre um petisco e outro, combinei de deixá-lo em sua casa. Chovia forte e as avenidas principais estavam engarrafadas devido as enchentes. Diante disso, resolvi seguir por um atalho.

A tempestade comprometera a rede elétrica e várias ruas estavam às escuras. Não se via nada além da luz do farol no asfalto esburacado. Para piorar, o vento derrubara várias árvores e postes, tornando a passagem impossível em certos trechos. Jamel, educado que só, ainda me apressava para chegar ao destino, pois era tarde e sua mulher certamente estava preocupada.

Numa região da cidade que eu pouco conhecia, logo me vi perdido. Jamel, além de ter vomitado no assoalho, dormia feito pedra no banco do passageiro. Quando nada mais parecia poder piorar a situação, eis que sou surpreendido por um cavalo enorme que cruzava a rua -- certamente tinha escapado de alguma chácara por ali. Instintivamente desvei o veículo e acabei por acertar em cheio o muro de uma casa.

Jamel e eu descemos atordoados do carro: eu, preocupado, pensando se o seguro iria cobrir as despesas do acidente; Jamel, ao meu lado, chorava e dava murros na lataria. Na tentativa de impedir a depredação, acabei sendo golpeado no rosto. Mas a estranha reação logo foi explicada: aquele era o muro da casa dele, que ele havia erguido no dia anterior! Sua esposa, de camisola, praguejava da janela e ouvia-se choros de crianças.

Com os telefones mudos, tive que passar a noite por ali. A mulher de Jamel me fez curativos e ele me emprestou uma muda de roupa. O reboque chegou pela manhã. Afora os gastos com o carro e o muro, tenho uma boa história para contar. E uma inexplicável aversão a caronas.

Maringá, 11 de agosto de 2006

(à professora Elayne)