A LINGERIE
A LINGERIE
Nada para fazer, resolvera descer para o Guarujá, emendando o feriado de sexta.
Foi sozinho. Pior viagem! Não tinha com quem conversar, pois a crise esvaziara o prédio, só deixando o zelador e dona Gertrudes, uma velha xereta.
Acorda às 10 horas, anda, nada, anda, nada e nada!...
Nenhuma mulher interessante, ou estava ficando velho, sem confiança no taco?
Vai ao cinema e assiste outra vez ao "Cidadão Kane". Sai no meio do filme e resolve ir ao shoppinho, fazer um programa original: tomar cerveja, comer batata frita e ouvir criança chorando, com pai duro negando os brinquedinhos.
Encontra um ex-amigo,que começa, dá prosseguimento e termina, uma fala chata, sobre um assunto que mais detesta: futebol.
Ao ver que só repete: "É...", com um sorriso amarelo, o amigo desconfia, vai tomar um sorvete e foge, sem se despedir.
Procura com os olhos algo diferente e descobre uma banca de revistas mais incrementada, que vendia uns livros. Paga o chope e vai à banca, surpreendendo-se com um volume do Kama Sutra em português. Folheia-o e percebe que atrás de si, uma morena razoável, olhava intrigada, como se quisesse lê-lo, mas faltava-lhe coragem. Coloca o livro de lado, como se fosse míope, para que ela pudesse ver as gravuras. Muda as páginas e ela firme, percebendo tudo.
Ao concluir o folhear das páginas, fecha o livro, deposita-o no box e se vira. Ela baixa o olhar e faz questão de mostrar a aliança na mão esquerda. Procura pela livraria e por fora dela, mas não vê o esposo Ela compra uma revista qualquer e sai lentamente, deixando o perfume marcar o caminho.
Ele resolve, vai seguindo-a à distância e a vê entrar numa loja de lingerie. Finge olhar a vitrine de um açougue de luxo, e vê pelo reflexo no vidro, que ela manuseia peças íntimas com maestria, se exibindo.
Pensa: "Por quê será que chamam de peças íntimas? Será que fazem delas suas confidentes, ou porque sabem o que a patroa faz?"
Vê a senhora indo ao caixa, manda embrulhar e fala qualquer coisa para a atendente. Desfila com sensualidade em direção ao observador, roda o corredor do shopping; ele parado, observando tudo, despistando, até que ela vem junto à vitrine do açougue, posta-se ao seu lado e pergunta: "Gostou da roupa?"
Quase caiu, mas recompôs-se e respondeu: "É de um vermelho lindo!"
"Gostaria de ver-me vesti-la?"
"Mas e o marido?"
"Só vem amanhã!"
"Eu adoraria vê-la vestir!"
"Então paga para mim, que eu visto!"
Concordou, ela pegou no braço dele e adentraram a loja. Ela foi à seção de embrulhos e ele foi ao caixa.
Entabulou uma conversa disfarçada com a caixa, assinou o cheque, ditou o telefone, pegou a nota e...
...Até hoje procura pela vigarista, que deve ter milhões de roupinhas, pagas por palermas solitários.
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Marcio Funghi de Salles Barbosa
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