O AMOR É BELO ( L'AMOUR EST BEAU )

L'AMOUR EST BEAU

(O amor é belo)

Gente simples, criada no sítio. Havia quem dizia que eram "meio primos", mas não importa, resolveram casar-se. E limpa a antiga casa abandonada dos pais dele, pinta as paredes, as portas, corta o mato em volta da casinha, arruma a tela do galinheiro que estava despencada, compram os móveis simples e como num passe de mágica, chega o grande dia.

Doce em calda e em pedaço, de todos os tipos. Licores de todas as frutas, com graduações alcoólicas que iam do fraquinho, para os quatro avôs vivos, até um de jurubeba, que era quase pinga pura, pro tio Zé, que desde cedo estava tirando o atraso da anterior.

O padre viajou duas horas para celebrar o evento e sua batina marrom, só ficou preta, depois de meia hora de escovação. Para dar a prova de que somos pó.

A noiva se emplastecava de uns cremes de pepino, feito pela tia, refestelada na cama do quarto, onde se alguém entrasse, nem reparava, crendo tratar-se de uma enorme salada, com uma tarântula no centro.

O cabelo chegou a gastar duas escovas, para amaciar. O Vestido de noiva era o da bisavó, que servira também à avó e à mãe; tinha sido alvejado com tanto anil Colman, que parecia um céu às 14 horas, de tão azul. Jazia em um cabide de arame, passado e engomado, à espera da pepinosa. Uma calcinha de renda branca, fazia par com um sutiã enorme, tal o volume dos airbags.

Acabado o ritual da salada, um banho numa bacia de flandres, com óleo de amêndoas e algumas gotas de Origan de Galli, perfume da época. E esfrega, que esfrega, até que na enxaguada, recebeu a água com um pouco de leite. "Para amaciar a pele!", diz a Divina, preparadora de todas as noivas, mas que até então não encontrara o marido certo (era feia que urra!). Por fim foi enxugada em todas as partes, aparados os pelos com maestria e a pele tratada com Pó de Arroz Lady e mais umas gotas do Origan, principalmente no pescoço e atrás da orelha. O cabelo, em tranças longas, parecia mais uma aprendiz de Rapunzel. Lindura, que nem aquela, só na capital.

O noivo, depois de um banho caprichado, onde as unhas foram cortadas e esgravatadas para tirar o sujo da terra, teve os calos amaciados com uma mistura de pedra-pomes e óleo de rícino. O corte de cabelo ao meio, parecia feito por um mestre da pintura: um mimo!

O terninho azul, com a camisa branca e a gravata cinza, ficou um luxo só! O sapato é que ficou meio esquisito, pois o preto estava furado e o primo Tarcísio emprestou um Clark, comprado há menos de 3 anos. Marrom. Escuro, mas marrom!

Foi caminhando com os padrinhos para a Igreja, pois era de bom augúrio, ficar dando a impressão que estava ansioso. No fundo estava mesmo, pois nunca tivera uma experiência com mulher de verdade, só com a Dinda aos quinze anos. "Aquela bestinha assanhada, sô!"

Rezava, pra não fazer feio, enquanto escancarava um sorriso perfeito! A Dentista falara: "Vai ter dente bonito assim no inferno, trem!"

E espera, que espera, quando viu um burburinho na porta da Igreja: "É ela!", gritou e ficou corado.

As portas se abrem e consegue ver contra o sol das seis da tarde, aquelas tranças, ladeando as ancas e os seios. Quase morreu de medo! Viu o Tio Quinzinho de braço dado com ela. Lembrou da bronca, quando ia bulindo nos seios dela; sentiu um arrepio, que o fez ficar tão surdo, que nem viu o coro iniciando a música. Empertigou-se, ficou firme, mas a Igreja balançava toda. A cada passo do casal ele tremia mais. Assustou quando o Tarcísio sussurrou: "Vai buscar o noiva, sô!" Foi, fazendo de duro, pra não desmaiar.

Esticou a mão pro sogro e pegou a noiva, meio que com raiva, pela bronca.

O buquê exalava um cheiro comum de flor de laranjeira, mas nunca percebera como era enjoativo. Da cerimônia, só lembra de ter despertado para o "sim", enquanto um pensamento o marretava: "E agora?"

Beijou a noiva na testa e foram saindo de braços dados. Ela falava baixinho: "Mais devagar, senão o véu cai!" "Mas não precisa ser tão lerdo!"

A porta da Igreja parecia estar a um quilômetro e era engraçado, como distorcia toda...

Nos cumprimentos, todos faziam questão de dar-lhe tapas, em cima da espinha inflamada nas costas. Ria, mas xingava internamente.

Na festa, resolveu só beber água. Queria estar sóbrio.

Após uma certa hora, combinou com o Dito, cochichou alguma coisa com a noiva e foram saindo em meio aos bêbados e risadas da mulherada, até que entraram na boléia do caminhão do Dito, que os levou para a casinha.

Ele entrou como uma bala, foi ao banheiro vomitar, lavou o rosto, esfregou bastante dentifrício nos dentes e já saiu de pijama listrado. De azul e branco.

A noiva estava desfazendo o arranjo do cabelo e pediu para ele abrir os botões do vestido. Ele não conseguia se mover. Ela foi para perto dele e ele cumpriu o papel de desabotoador do vestido. Ela estava bem avexada com a percepção do medo dele, foi para o banheiro, se despiu e vestiu a camisola da noite. Esqueceu da calcinha.

Voltou para o quarto e ele correu para ela. Sem um beijo, sem nada, começa a apalpa-la e ao descobrir a falta da peça íntima, canaliza toda a sua frustração, num: "Oferecida!"

Ela se põe a chorar, ele dá uma bronca nela e... Viveram infelizes para sempre!

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Marcio Funghi de Salles Barbosa

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