Língua de papagaio

Faço rotineiramente a viagem Santa Cruz - Natal e vice-versa, por força do trabalho na 4ª Vara Cível da capital potiguar, e quase sempre o faço, quando não pego um destes lotações, pela viação rodoviária Jardinense. O que se passou hoje, 20 de maio de 2008, talvez mereça um cantinho de página aqui e a leitura de algum curioso.

Dona Isabel, mulher de uns cinquenta e poucos anos, mas aparentando uns sessenta e tantos, que jamais vi mais magra na vida, estava na primeira poltrona do ônibus. Subi e o ônibus partiu às 6 da manhã da rodoviária de Santa Cruz. A princípio não dei muita importância ao que ela falava, imaginei que no decorrer da viagem, logo se calasse, mas o danado é que dona Isabel falava para o ônibus, para o mundo inteiro, desfiando o seu rosário de ilusões, de amarguras, de rancor, fruto de um relacionamento de 40 anos, desfeito há uns 12 por causa de uma sirigaita, no dizer lá dela. "Se eu pudesse eu estraçalhava aquele desgraçado, infeliz das costas ocas". O seu interlocutor só ouvia, pois a língua da velha não parava um só instante. A história ia e voltava como um martelo alagoano, se não estou enganado de estilo; sua voz fanhosa incomodava a todos, mas todos a escutavam calados, cada qual com seus botões. Tive vontade de dizer: Cala a matraca um pouquinho aí, minha senhora, mas seria indelicado de minha parte e um tanto egoísta, embora, egoísta mesmo fosse o "convercê" dela. Quase duas horas se passaram de ladainha e nas paradas do ônibus sua voz se acendia ainda mais. Lá pras tantas descobriu que não havia trazido sua caixinha inseparável de remédios, mas que o havia tomado no princípio da viagem. Dentre as doenças que relatou, deu ênfase a dois bicos de papagaios na corcunda, eu não me contive e ri internamente, com a óbvia conclusão de que se a danada da véia padecia de dois bicos de papagaios na coluna, a sua língua deveria ter uns quinhetos papagaios pendurados, atiçando e esticando o hem-hem-hem dela. Uma tormenta destas, espero que nunca mais! Ora raios de língua!

Marcos Cavalcanti
Enviado por Marcos Cavalcanti em 20/05/2008
Código do texto: T998003
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