FARRAPINHOS

Era uma vez um palhacinho

De nome Farrapinhos

Que vivia só num cantinho

De um armário douradinho.

A menina, sua dona,

Rebelde e mandona,

De nome Mariana

Dizia à dona Joana:

- Jogue fora este palhaço,

De cabelo que parece de aço

Dele questão eu não faço

É por isso que eu me desfaço.

Joana, sensata e boa,

Não deu ouvidos à patroa

E, ao lado do boneco de coroa

Ela pôs Farrapinhos numa canoa

Na última prateleira do armário dourado.

O palhaço ficou triste, amuado

Por não ter mais ao seu lado

A linda boneca de cabelo dourado,

A amiga com quem conversava

Quando ninguém mais andava

Pela casa e tudo silenciava.

Agora ele pensava e repensava

Como fazer para do alto sair

E ver a grande amiga rir

Do seu desengonçado cair

E da sua boca larga a sorrir.

Com a menina pouco ele se importava

Ficar distante dela era o que mais lhe agradava,

Pois sabia que ela o detestava,

Mas no fundo de sua alma ele a amava

Como amava a todas as crianças.

De ser correspondido não tinha esperança,

Mas a boa Joana com sua temperança

Da lata do lixo salvou muitos brinquedos.

Um dia Mariana e a amiga Suzete

De fazer caretas brincavam com Anete

Diante do espelho da toalete

Quando séria perguntou Suzete

Pelo palhaço Farrapinhos.

- Ora, aquilo era um traste feiinho

Mandei jogar fora, faz um tempinho.

- Que pena! Eu o achava tão bonitinho!

Respondeu a menina Suzete.

E o tempo passou. De dias foram sete,

E num desses dias aconteceu o teste,

Tendo por testemunha a menina Suzete.

Mariana, a rebelde e mandona,

Ficou de cama porque glutona

Empanturrou-se de doces que Joana

Fez para o aniversário de Donana.

Donana ficou triste e preocupada

Com a saúde da filha amada,

Queria vê-la alegre e sarada

Daquele mal que a debilitava.

Mal sabia aquela mãe amorosa

Que uma fada prestimosa

Queria modificar a menina teimosa

Tornando-a mais doce e afetuosa.

E a noite desceu do céu.

O sonho cobriu Mariana como véu.

Sonhou que lá longe, ao léu,

Vagava triste sem o seu chapéu

O palhaço que ela desprezou.

Foi o sonho mais triste que sonhou.

Sentiu remorso, mas não falou

Porque a cena logo mudou.

Só em seu quarto, ela estava infeliz.

Então ela viu Farrapinhos, como um pierrô de Paris,

Dançando engraçado e belo

Como um autêntico polichinelo.

Em outra cena ele vestia um calção de cetim,

A cara pintada igual a um arlequim,

Na cabeça uma boina carmesim

Cantava longa canção que parecia sem fim.

Então surgiram Anete e Suzete

Rindo diante do espelho da toalete

Retocando seus penteados abonecados.

A doente falava, mas duas não ouviam o recado

Estavam elas muito interessadas,

E corriam apressadas

Para ver o espetáculo burlesco

Do palhaço romanesco.

Bonecos e bonecas do armário dourado,

Quais personagens de conto já contado,

Distribuíam aplausos e carinhos

Gritando todos: “Viva Farrapinhos”.

Farrapinhos tirando a boina agradecia

O momento de felicidade que vivia.

- Obrigado, amigos! Há muito eu não sentia

Tanta emoção e alegria.

- Porém, quero lhes dizer

Que algo ainda vai acontecer.

O espetáculo não terminou

Ele apenas começou.

E Farrapinhos, parecendo um pierrô de Paris,

Dirigiu-se, dando cabriolas e feliz,

Para onde estava Mariana,

Doentinha em sua cama.

Tirando de sua vestimenta um pompom,

Num ato de magia transformou-o num bombom,

Oferecendo-o à menina em musical tom

Disse: - Este momento é muito bom

Para restaurar a nossa amizade

E dizer toda a verdade.

Ser rude, rebelde e mandona

Não fica bem em você, Mariana.

De súbito a menina acordou.

E pensando no que sonhou

Chorosa a mãe ela chamou.

Neste momento a fada prestimosa,

Deixando o seu perfume de rosa,

Partiu para o seu mundo cor-de-rosa

No imaginário de toda criança.

Recuperando a saúde Mariana

Perguntou à fiel serviçal Joana:

Seria possível ainda encontrar,

O palhaço que ela se recusara a amar,

Perdido em algum lugar.

Joana, então, retirou da última prateleira

Do armário dourado a boneca brejeira,

Que fora da menina inseparável companheira.

Logo em seguida veio Farrapinhos com sua cabeleira

Vermelha, áspera e comprida.

Mariana, muito comovida,

Abraçou Farrapinhos e a lágrima sentida

Caiu numa cena nunca assistida.

Depois desse acontecimento

Mariana mudou de sentimento,

Não era mais rebelde nem mandona

Como constatou a serviçal Joana.

Magia de um anão barbudo e bom?

Ou seria obra da varinha de condão

Das fadas de Avalon

Ariel e Oberon?

Só Mariana sabia o que acontecera de fato,

Do sonho que tivera em seu quarto.

Contar? Nunca! Ela reflete,

Nem mesmo a Anete ou Suzete.

06/11/10

(histórias que contava para o meu neto)