Pau piolho*

Entrou em casa depois de um dia inteiro de caça, e novamente não tinha nada para comer. A mulher, muito robusta e nervosa, grita:

- Dê um jeito, homem! Traga qualquer coisa... Até urubu serve!

E lá foi o homem voltar á sua angustiante caça. Caçar o quê? Onde? Como?

Trague qualquer coisa! – soava a voz da mulher.

E lá se foi, mais uma vez, por longos dias naquele fervoroso verão, o velho e cansado homem. E de repente, lá no alto de um pau piolho, eis que avista um urubu. Ele sorri sem ajeito, apuluma a espingarda, mira, soando igual a um burro, o chão quente quase saindo fumaça, o sol ali pertinho judiando das suas fuças... Subitamente o urubu começa a cantar...

Não atira agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode atirar!

O tiro é certeiro! O animal é abatido... E quando se aproxima do bicho estrebuchado no chão e se prepara para pega-lo...

Não me pega agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode pegar!

Põe a ave dentro de uma trouxa surrada. E lá se vai para casa, matar a fome da família. Ao entrar, encontra a molecada branca de fome, a mulher olha esperançosa e agradece ao santo quando o marido expõe o jantar. Quando foi tirar o urubu da bolsa...

Não me tira agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode tirar!

Pegou. Despenou. Temperou. E quando foi colocar o animal dentro da panela...

Não me põe agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode pôr!

O cheiro era bom, mas a carne do animal era dura de lascar. Após muita lenha, finalmente foram servir o bicho. A criançada arregalou os olhos, nem acreditavam da tamanha sorte. Quando a mulher foi servi-los....

Não me serve agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode servir!

Serviram-se. Comeram de botar o umbigo pra fora. Era um banquete, há dias não comiam algo tão apetitoso, estava danado de gostoso. O homem ficou estatelado de tanto comer. De repente uma dor de barriga. Corre pra privada lá no final do imenso quintal. Abaixa as calças e...

Não me solta agora não

pau piolho

deixa eu cantar mais um pouquinho

pau piolho

Agora pode soltar!

O bicho sai voando, sem paradelo, o homem fica lá, soando frio, sem reação.

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*Pau piolho: significa, na linguagem do sertão, grande tronco de árvore com uma grande quantidade de cupim no seu topo, formando uma espécie de "casulo", "caixa", ou "casa" para esses bichos.

Samuel Silva Teixeira
Enviado por Samuel Silva Teixeira em 05/10/2011
Código do texto: T3258747
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