VOVOZINHA VERMELHA DE MEDO

As histórias da carochinha que eu conheço, chegaram a mim através das narrativas da avó da avó de minha avozinha.

Dizem que o nome carochinha vem de carrocinha. Essa carrocinha é tocada até hoje por uma boa velhinha que anos após anos vive recolhendo todos os contos infantis e juvenis criados e contados no mundo inteiro, para que eles nunca se percam.

Portanto, quando contamos uma fábula ou um conto de fadas, nós os tiramos da carrocinha da boa velhinha, qual, está sempre pronta para nos divertir. A boa velhinha, devido a sua carrocinha, passou também a ser chamada de dona Carocha ou dona Carochinha.

Dona Carocha é tão velhinha, que até as nossas tataravós conheceram. Elas leram e contaram histórias retiradas da carrocinha dela.

DESSE MODO...

Uma avó passou as histórias para uma futura avó, qual as passou para outra também futura avó. As futuras avós passarão às outras...

Elas praticaram, praticam e praticarão a tradição oral.

Tradição oral é a preservação de histórias, lendas, usos e costumes através da fala.

Toda família tem a sua tradição, qual está no percurso de suas histórias.

A tradição visa à transmissão de práticas e de valores criando conhecimentos, levados de geração a geração.

Por isso é importante conhecer a história da família, pois, quando ouvida, compreendida e analisada, os membros dela procuram avaliar, corrigir ou dar procedimentos às suas práticas e aos seus valores, consistindo o crescimento positivo dela em todos os seus aspectos.

Foi pensando na tradição da minha família, que ao descobrir uma série de práticas e valores contidos nelas, descobri também várias histórias contadas pela minha avó.

Vovó contou para mim que quando ela era criança, ela gostava de ouvir histórias contadas pela avó dela.

Então eu pensei:

- É por isso que a vovó conta para mim tantas histórias. As histórias, claro, foram contadas a ela pela minha trisavó, sendo oriundas da bisavó dela.

Vovó gostava de ouvir todas as histórias do “Era uma vez...” e “...foram felizes para sempre”, contadas pela minha trisavó. Dentre todas as histórias, a que mais a assustava era a de Chapeuzinho Vermelho!

Por que será que a Chapeuzinho Vermelho a assustava?

Ó, não era a Chapeuzinho Vermelho...

Era o lobo, o vilão da história...

Só porque o lobo era o lobo mau!

Ora, que nada! A maldade do lobo está sempre passando de geração em geração. Ele continua com a cara de mau, desde as histórias da dona Carochinha, das histórias em quadrinhos, dos desenhos animados dos filmes, da televisão e também nas configurações da internet.

Por isso, ainda existem crianças que têm medo do lobo mau, não somente da história de Chapeuzinho Vermelho, como também de outras histórias, onde o lobo sempre aparece famoso pelo seu apetite e talento de soprar tudo para o ar.

Ele, além do seu apetite e talento, aparece nas fábulas também bancando o espertinho, enganando os outros...

Dizem que quem engana o outro, enganado fica! Será?

Então, deve ser por isso que ele acaba sempre dando mal no final das histórias...

Isso é um bom sinal de que nunca devemos dar importância às suas práticas e valores. Um lobo mau é sempre mau!

Ora, a minha avozinha me fez perceber que crianças em todos os tempos são sempre crianças. Elas gostam de bombons, de pipocas, de salgadinhos, de brinquedos, de roupas novas, de um tanto de coisas... Até de ler, contar e ouvir histórias.

Será se existem crianças que gostam de ter medo?

O vovô da minha avozinha, o meu trisavô, dava risadas porque ela tinha medo do lobo mau da história de Chapeuzinho Vermelho e de outras fábulas...

Acho que o vovô da minha avozinha pensava que ela tinha medo do lobo porque ela queria...

Não, ela não queria ter medo de lobo e nem de nada. Ela, como toda criança corajosa, queria fazer tudo sozinha. Queria dormir na sua cama, ler histórias de bruxas, fantasmas, anjos, duendes, fadas e ir ao banheiro de madrugada, sem nunca chamar pela mãezinha, pela irmãzinha ou pessoas mais corajosas.

Mas, porém, ela tinha medo de tudo, inclusive do lobo. E isso se dava devido ao fato de que quando a minha avozinha era criança, as histórias eram contadas oralmente e ninguém se preocupava em abrir livros e mostrar às crianças os desenhos de lobos ou de personagens narrados nas histórias.

Mesmo que os desenhos fossem todos em pretos e brancos, isso satisfaria a curiosidade das crianças.

Mas como isso não era possível, a minha avozinha, criança, ficava imaginando noite e dia como seria um lobo...

Ela desenhava o lobo da forma como bem imaginava:

- O lobo tinha um chifre de touro!

- O lobo parecia um besouro?

- O lobo era um dinossauro!

- O lobo seria um homem, vestido de lobo? Um lobisomem?

- Ou o lobo não existia e era simplesmente criado nas histórias para ser um bicho imaginário, convencido, covarde e tolo?

Ela disse que sonhava com lobos monstros e famintos querendo devorar a sua cesta de piquenique.

E para espantar o medo do lobo no sonho, ela brincava na hora de dormir, dizendo:

- O lobo bobo subiu na mesa e pegou o bolo. Eu sou corajosa, peguei o lobo bobo em cima da mesa roubando o bolo. Eu amarrei o lobo bobo no pé da mesa e comi o bolo...

Certo dia, querendo parar de imaginar o lobo, a minha avozinha criou coragem e perguntou à minha trisavó:

- O que é um lobo?

- Ora, ora, a minha netinha quer saber o que é um lobo?

A minha trisavó respondeu à minha avozinha que o lobo tinha uma ancestralidade comum com o cão doméstico. Ela disse que o lobo era um cão grande e selvagem que vivia no mato.

Então a minha avozinha concluia.

- O cão é a mesma coisa de um cachorro, que, muito grande, virava lobo!

E às vezes brincava.

- Lobo, bobo, bobão, cachorro, grande cão!

E voltava finalmente a uma dura conclusão.

- Todo cão grande é um lobo! Então todo lobo é um cão perigoso!

Coitada da minha avozinha! Depois de saber disso, criança como era, passou a ter medo dos cães...

Como não? Se a minha trisavó dissera a ela ser o lobo um cão grande e selvagem que vivia no mato?

Ora, na cidade em que moravam os pais e os avós da minha avozinha, meus bisavós e meus trisavós, havia casas e matos cercados por todos os lados. E Lá existia, claro, muitos cães para protejerem as casas.

E ela, a minha avozinha, coitadinha, se sentia uma chapeuzinho a temer-se dos cães, parentes dos lobos, que em todas as casas existiam, deixando-a vermelha de medo...

Esse medo da minha avozinha durou toda a infância dela, mas, depois de adulta e casada, ela precisou do cão, parente do lobo, para cuidar de suas casas na cidade e na fazenda, cercada de mato, onde hoje gosto de passear, ouvir as histórias dela e provar de suas guloseimas, quais receitas acompanham todo o passado culinário da nossa família.

Ás vezes, na casa da fazenda, eu gasto horas sentado na varanda ao lado da minha avozinha, ouvindo as suas histórias e as histórias tiradas por ela da carrocinha da dona Carocha.

São tantas histórias!

A minha avozinha, de cabelos brancos caídos na testa e lenço vermelho amarrado na cabeça, me conta, além das histórias de tantas outras histórias do “Era uma vez...” e “...foram felizes para sempre”, a história de uma Vovozinha vermelha de medo, qual, um dia, contarei também aos meus netos.

E os meus netos também haverão de contar aos netos deles, pois a dona Carochinha estará sempre disposta a nos ajudar a colocar também em nossa carrocinha as histórias de nossa família, quais nunca iremos perdê-las.

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