Meninos contra meninas

                 Ele não conseguia ficar quieto um minuto o diabinho. Bastava a gente olhar para o lado e lá estava ele metido em uma nova e cabeluda aventura. 
    Chamava-se Frederico, mas a turma do campinho o apelidara Kiko, e aos poquinhos, aos pouquinhos, Kiko ficara. 
    Apesar das pernas magras, meio tortas e cheias de arranhões o garoto fazia figura. Difícil mesmo era levá-lo para o banho. D. Carmem tentava de tudo, mas ele só ia mesmo carregado pelas orelhas.
    Quando Ana Alice se mudou para o bairro foi o primeiro a jogar areia: "Menina morando ao lado do nosso clube só pode dar em lenha!" explicou para a meninada na reunião do clube do último sábado.
    O referido clube, que eles chamavam de 'Os justiceiros' tinha como sede o porão da loja de arte decor de D. Carmem e Ana Alice morava ao lado. Daí comecou toda a confusão.
    Com suas trancas assanhadas, Ana Alice não demorou a aparecer. Lá estava ela na porta do clube no sábado passado esperando a turma sair. Deu uns sorrisos e piscou as pestanas e isso bastou para que quase toda a turma com ela concordasse: "Esse clube só vai ser de justiceiros quando entrar uma menina, afinal justica que é justica deve protejer muito mais as meninas que os meninos que estes são tão fortes e corajosos". E esse foi só o comeco.
    Maneco acrescentou com olhos apaixonados em direcão às trancas assanhadas: "É verdade. Nós cavalheiros da justica devemos protejer as meninas que são tão fracas e sensíveis." "O que é sensível?" Era Rafinha o mascote quem se manifestava. Kiko respondeu com raiva: "São meninas que fazem cara de choro quando alguém lhes rouba o lanche e depois riem da nossa cara passando bem em frente à sala do diretor..." "E ela faz isso?!" Foi a indagacão perturbada. Kiko só sacudiu a cabeca e Rafinha ficou arregalado. Ao menos um agora ele teria a seu lado, mesmo que fosse apenas o mascote de cinco anos, irmão do Tutu, seu melhor amigo na turma.
    E por falar em Tutu, foi exatamente para ele que Kiko virou, a indagacão dirigida a todos, os olhos cravados naquele que sempre fôra seu aliado. "E mesmo que a gente decida fazer justica às meninas, não entendo em que tendo uma dentro de nosso clube poderia ajudar..."
    Todo mundo comecou a falar na mesma hora e eram tantos os argumentos que Kiko não conseguiu escutar nem um. O tumulto cresceu tanto à sua volta que D. Carmem saiu da loja, os olhos duros e os mandou cacarem outro lugar para suas brincadeiras.
    "Estão vendo? Nem faz parte do grupo e já está criando problema. Não quero nem pensar o que vai ser se vocês a deixarem entrar." Mas não havia argumento. Foram para a casa do Ruivo e ali discutiram até o comeco da noite e Kiko saiu dali inquieto. 
    Ainda de manhãzinha saiu para aproveitar todo aquele domingo para fazer campanha. Na escola falava com todos. Chegou até a desenvolver uma filosofia de que se os meninos e meninas não tivessem seu espaco separado, eles não iria querer se casar quando crescessem e o mundo iria acabar por falta de filhos.
    Na quinta-feira, D. Augusta cancada de tanto rebulico na sala de aula, resolveu tomar conhecimento da questão. Depois de um papo com cada um dos meninos da turma e outro com Ana Alice resolveu o problema: O clube poderia ser misto se os meninos fossem para lá na quarta-feira a noite, as meninas nos sábados pela manhã e todos nas tardes de domingo.
    Apesar de não muito convencido, Kiko parou de discutir e deixou a professora resolver como bem entendesse.
  Hoje ele foi para o clube de cara feia, mas o engracado é que ele voltou de lá de bochecha vermelha e um certo ar de apaixonado...
     
Monique Freitas
Enviado por Monique Freitas em 28/06/2007
Reeditado em 02/07/2007
Código do texto: T543910
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