Cordão na serra

Era menção costumeira com que papai nos narrava aquelas visitações antigas que, a cavalo, a parentela vinha fazer à família. Se não se aprofundava em detalhes sobre a constituição dos cardápios de então, ou a forma de alojamento para aquele batalhão, é porque ao nosso arrebatamento infantil bastava imaginar a imagem do cordão descendo a serra, em cavalgada, de forma ordenada...adultos, mais meninada.

E a felicidade era completada, à chegada, em meio à efusiva alacridade dos cumprimentos, dos abraços apertados, e, sobretudo da curiosidade da vizinhança. Os agrados, em forma duma rapadura, dum queijo, recebidos, elogiados, cobiçados, guardados para serem parcimoniosamente consumidos. Era o Brumado, de tempos idos, vividos, preenchidos.

O fogão, o forno, o quintal, o quarador, não tinham folga nos dias de empolgação que se seguiam e que quanto mais curtos, mais curtidos se faziam. Casos, histórias em que o tempo, a saúde, as novidades, o progresso da garotada, as antecipadas saudades...

Hoje, a imagem do cordão despontando na serra - já não mais no povoado do Brumado, mas na Velha Serrana, esgueirada entre a concertina, o arvoredo e os tetos cada vez mais altos - limita-se às labaredas que, consumindo fauna e flora, insistem em deixar calcinado qualquer rastejo daquele tão doce passado...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/09/2017
Reeditado em 07/09/2017
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