Borboletas na minha barriga

Não sei o que me acontece. Sinto apenas que fervilha o pensamento e desalinha a flutuar.

Percebo que esses pensamentos trazem à tona ideias que ora livres, desenvolvem muitas emoções. Algumas delas me fazem levitar, outras me paralisam, me fazem pesada feito uma montanha, e mesmo assim, as borboletas aparecem.

Quando tudo se torna estático, e emoções me desorientam as borboletas são por vezes, as únicas que levitam dentro da minha barriga. Causam arrepio, medo, ansiedade, e meu corpo fica inerte. O pensamento voa com elas, mas é difícil deixa-las à solta.

Outro dia, senti a sensação de me tornar uma pedra quando a professora na escola me chamou para falar na frente da turma, para ler um texto.

Que estranho! Eu deixei de ser uma menina e virei uma pedra bem pesada, mas dentro da minha barriga as borboletas faziam festa. Os amigos riram de mim, por parecer não ouvir o chamado da professora. Eu quis me esconder, mas a professora Meire pediu silêncio e fez com que todos se comportassem com empatia e se dirigiu com paciência e acolhimento até minha cadeira e disse que eu poderia ler ali mesmo.

- Vamos Maria, coragem!

As borboletas ora voavam, ora pousavam, espalhavam pólen, orvalho, e pedacinhos de asas de tanto as baterem. A voz calma da professora foi acalmando as borboletas que se encasularam dentro de mim e mesmo com a voz embargada pude ler o texto. Um poema da escritora Eloí Bocheco publicado em nosso livro didático:

O que tem a rosa?

—ROSA DE MAIO,

QUEM TE DESFOLHOU?

—FOI O VENTO LESTE

QUE POR AQUI PASSOU.

—ROSA ENCARNADA,

QUEM TE INCENDIOU?

—FOI O SOL NASCENTE

QUE AQUI CHEGOU.

— ROSA LILÁS,

QUEM TE SEMEOU?

— FOI UM PASSARINHO

QUE PRA CÁ VOOU.

— ROSA BRANCA,

QUEM TE FERIU?

— FOI A CHUVA DE GRANIZO

QUE ONTEM CAIU.

— ROSA AMARELA

POR QUE NÃO ABRIU?

— POR CAUSA DA LUA NOVA

QUE AINDA NÃO SAIU.

ELOÍ BOCHECO

Ao terminar de ler a turma toda me aplaudiu e com elas as borboletinhas que levitavam juntaram-se às que já dormiam e dançaram dentro da minha barriga. Foi então que percebi que agora era uma dança festiva e o que meu corpo sentia não era arrepio, nem pavor, medo ou ansiedade. Era um misto de certa alegria e prazer por ter realizado algo que anteriormente me travava, me paralisava, transformando meu corpo pequenino em pedra.

Sentei-me e reli o poema com calma. A orientação da professora Meire era que a gente relesse o poema e tentasse falar sobre que sensações o poema nos causava, e a gente poderia descrever nossas emoções numa redação e fazer um desenho bem bonito.

Foi aí que percebi que eu era como aquelas flores do poema que sentiam ânsia de serem molhadas pelo orvalho ou banhadas da luz do sol, e que mesmo algo natural podiam as ferir. Uma chuva de granizo por exemplo, machucava as pétalas frágeis. E um vento mais forte podia desfolhar a terna rosa.

Quando mostrei minha atividade, a professora Meire leu para a turma e logo estávamos conversando sobre nossas emoções e como elas podem nos afetar ou nos ajudar, e como é necessário saber gerir e autorregulá-las, para assim termos uma boa saúde emocional, e que, no entanto, somos humanos e todos estamos sujeitos a sentir alegria, tristeza, medo, raiva, nojo, surpresa ou desprezo. E que essas emoções básicas servem de defesas ou até de mecanismos de sobrevivência. E que delas vêm outras emoções que quando não compreendidas e controladas podem desenvolver emoções negativas, traumas e compulsões.

E assim, percebi que as borboletas que viviam na minha barriga eram como aquelas emoções que podiam me paralisar, frear, e que não apenas só isso, mas elas também podiam ser necessárias para que eu pudesse enfrentar situações de perigo ou fragilidade e me impulsionar a vencer a mim mesma.

As borboletas na minha barriga são um panapaná de emoções que me fazem mais humano e que me ajudam entender que quando algo não está sob controle é necessário buscar ajuda, seja de uma conversa com alguém que a gente confia ou ama, ou até mesmo de um profissional que nos indique uma terapia, ou algo terapêutico, tal como ler poesia, brincar, desenhar, ouvir música, e tudo aquilo que nos deixa felizes e livre para sermos quem a gente é de verdade. Sempre em contato com a nossa essência, nossa natureza para que as borboletas sejam livres para irem onde quiserem e que dentro da gente só fiquem as que não nos cause dano algum, mas nos floresçam para a vida.

Paula Belmino