Os Últimos Dias - Ato VI - Orcs

A caravana mercante que trazia a comitiva diplomática do Reino de Thames havia partido do norte há três semanas com destino a Deanor. Contando com vários politicos importantes, mercadores, mercenários e a guarda pessoal de um grupo de burguêses abastados, a comitiva tinha como missão principal estreitar os laços de amizade entre ambos os reinos e garantir o acesso irrestrito de grupos de viajantes como aquele através do Estreito de Geneza, que ligava o continente norte ao sul de Meliny.

Mas, dentre os mais de cem homens que acompanhavam o comboio, havia um com uma missão especial, delegada a ele através de uma carta escrita de próprio punho pela Rainha Vitória. Seu nome era Edgar Van Houten, membro da tradicional família thamesiana que ao longo dos anos se mostrara digna de fulgurar como uma das poucas de plena confiança da corte sem que por isso se tornasse fraca, ou mesmo esnobe. Eram pessoas cuja retidão e o carácter se mostravam claramente através da dignidade de seus atos.

Reservado, Edgar permanecera em silêncio na carroça em que viajava por quase todo o percurso. Repassou as ordens que recebera dezenas de vezes, relembrando detalhes e memorizando nomes. Tinha como meta pessoal ser impecável em tudo o que fazia, e este esmero era ainda mais válido em uma missão real. Para ele, entretanto, seria impossível prever o quanto seus planos seriam afetados pela mão silenciosa do destino. Ou por aquele que, nas sombras, tramava.

Um pelotão órquico interceptou o comboio nas primeiras horas da noite, seis dias após cruzarem o estreito. A onda inimiga destroçou a guarda e os mercenários contratados, mesmo com pesadas baixas. Antes mesmo que os mercadores pudessem contar seus prejuízos - ou ganhos devido a eliminação de boa parte de seus guardas ainda não pagos - novas tropas surgiram do leste e do sul. O sangue cobriu a terra, e após uma terceira e derradeira investida, apenas dois homens continuavam de pé. Edgar era um deles.

De uma profunda ferida no peito, o sangue vertia farto, manchando o tecido nobre de suas vestes. Os cabelos desgrenhados devido a luta também empapavam-se do sangue que brotava dos cortes recebidos nos inúmeros ataques. Se não bastasse, sentia-se zonzo e confuso, com a força escapando de seus membros a cada novo golpe. Ao seu lado, o segundo sobrevivente, em estado muito melhor, ainda lutava.

Vestia um belo manto dourado, que cobria em parte o leve conjunto metálico de sua armadura. Em muitos pontos a sua pele surgia resplandecente através das brechas no tecido, mas Edgar não pode vislumbrar uma única gota de sangue ou suor no valoroso guerreiro, mesmo após lutar contra a turba violenta de monstros que se atiravam cegamente de encontro aos inimigos.

- Amaldiçôo este dia, pois nele encontrarei meu fim - disse Edgar a ele, quase sem forças, prestes a perder os sentidos.

- Hoje é um dia iluminado, jovem guerreiro - respondeu o outro - Pois neste dia você lutou até o fim para defender a liberdade daqueles que lhe acompanhavam. Mesmo sem conhecê-los a fundo, e mesmo que também estivesse lutando pela própria vida, não hesitou em colocá-la em risco pelo bem alheio.

- Gostaria de ser tão otimista em relação ao que virá - disse Edgar, já de joelhos sobre o chão encharcado com o sangue de seus inimigos, e o dele próprio. - Pois lutei, é certo, mas já sinto a morte que aprisiona e fere tocar-me a face.

- Talvez lhe fira e toque realmente. Mas ela não ousará aprisioná-lo. Não enquanto eu estiver ao seu lado. Tenha fé e lute contra a dor que lhe acomete. Prometo que ao findar deste dia terás um novo conceito sobre a vida, e sobre a liberdade que gozas.

E, ouvindo estas palavras, Edgar lutou. E venceu. Triunfou sobre os orcs, sobre todas as probabilidades, e principalmente conquistou a vida, tripudiando a morte. Mas a morte nunca esquece. Havia marcado seu rosto, sentido seu cheiro e o gosto de seus lábios. E um dia retornaria para buscar o que era seu de direito.

Armageddon
Enviado por Armageddon em 14/07/2008
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