"A Batalha de Fogo" cap. 30 - "No Cerco da Morte"

Muito longe da cidade de Jasmero, ainda estava erguida a Cúpula das Trevas, onde os, poucos soldados de Drana que não estavam lutando, se abrigavam. Na grande torre negra, onde estava a própria Senhora do Fogo Negro, também estava, esquecido por deus e o mundo, o pobre espião do rei de Eleon: Ariaus Plemancof.

Desde a partida de Ferilam, com os outros Magos das Trevas, Ariaus não saia de seu quarto. Ferilam havia deixado ali para ele água e comida e ele ainda não via necessidade de se embrenhar para fora da porta de ferro pesada que estava á sua frente.

Mas Ariaus começava a entrar em desespero. Ferilam não voltava, e ele queria saber se haviam, afinal de contas, capturado o mago Hometec e qual seria o fim dele. E não só isso, queria saber de tudo, todas as novidades, tudo o que estava acontecendo lá fora. Eleon ainda estava de pé ou não? As mensagens que Ariaus mandava ao rei nunca eram respondidas e ele não sabia se o rei as havia recebido e tomado atitudes ou se tais mensagens jamais chegaram às mãos de Amintor. Ariaus agora não mandava noticias, ao contrario mandava pequenos pedaços de pergaminho implorando por informações do mundo lá fora. Será que suas mensagens haviam chegado? Por que não eram respondidas? Estaria ainda vivo o rei Amintor? O castelo de Golden Éden ainda estava de pé? Ariaus olhava a porta como se ela fosse uma gigantesca pedra de ouro, suas mãos loucas pra toca-la, seus pés desesperados por sair daquele lugar quente, cheio de grunhidos e mal cheiroso. Estava esquecido ali. Largado bem nos braços de seu inimigo, sem nenhuma arma de defesa a não ser uma mentira que já havia sido contada e que o mantinha até agora apenas como um insignificante aliado, que de nada servia; apenas um homem a mais sob a asa de Drana.

Ariaus se aproximou novamente da pequena janela em seu quarto e espiou lá embaixo.

Os orcs e centauros que haviam ficado na Cúpula das Trevas iam de um lado a outro carregando grandes toras de madeira, martelos e bigornas, Ariaus percebeu que já estavam nesse movimento á alguns dias. Podia ouvir as marteladas ao longe, o som da madeira sendo cortada e do ferro sendo moldado. O exército negro preparava alguma coisa. O que poderia ser aquilo? Perguntou-se Ariaus. Não podia ver o que estava sendo construído, apenas ouvir o barulho do trabalho. Seu coração apertou-se. Seja lá o que fosse Ariaus sabia que não poderia ser algo bom para Eleon, Drana jamais autorizaria um trabalho que não fosse para causar mais destruição a terra do fogo. Ariaus tinha que descobrir o que era e de todas as formas tentar avisar ao rei.

Ele se voltou novamente para a pesada porta de ferro. Tinha duas opções: ficar ali dentro, seguro, e continuar esperando uma resposta do rei ou então sair lá fora, descobrir o que estavam construindo e tentar avisar alguém. A primeira opção era mais tentadora, apesar de saber que seu dever era comunicar ao rei tudo o que se passava dentro da Cúpula das Trevas, mas Ariaus não tinha a mínima vontade de sair de seu quarto seguro, não conseguia negar a si mesmo que estava com medo.

Lembrava-se com bastante clareza da primeira vez em que saiu de seu quarto e quase foi morto por uma harpia e temia que isso acontecesse de novo. La embaixo estava repleto de orcs, centauros, harpias, aguoros e tigres negros, embora num numero extremamente reduzido, mas isso não mudava os fatos, afinal o que era Ariaus sozinho contra dez orcs, que fossem? Mas seu dever martelava em sua mente. Seu coração lhe dizia que a construção dos orcs era algo maligno para Eleon e ele não podia ficar parado. Se mais pessoas morressem graças a essa construção, ele teria parcela nessa culpa.

Então Ariaus respirou fundo, empurrou seu medo para o fundo do estomago e caminhou quase decidido até a porta. Suas mãos tremiam quando ele puxou a pesada maçaneta de ferro.

O corredor a frente estava escuro e aparentemente deserto, do mesmo modo que estava na ultima e primeira vez em que Ariaus saiu de seu quarto. Ele respirou fundo novamente e deu um passo a frente. Ariaus apertou os olhos tentando enxergar alguma forma na escuridão, o corredor parecia deserto, mas se, por um triste acaso, Ariaus trombasse com alguma criatura indesejada, dessa vez teria uma escapatória: não era mais um intruso, agora era um aliado. Perguntou-se se algum orc ou harpia acreditaria nisso, mas ainda sim era seu único trunfo.

Continuou com os pés trêmulos pelo corredor, sabia que ali havia uma gigantesca escada em espiral que levava para os níveis inferiores e para o único cômodo superior: o quarto de Drana, que era guardado pela gigantesca harpia que quase o matou na ultima vez. O corredor chegou ao fim e Ariaus pode sentir sob seus pés o ferro quente da escada. Nervoso, desceu o primeiro degrau. Ele não se atreveu a olhar para cima, tinha medo de encontrar os olhos vermelhos e perigosos daquela harpia, ou pior ainda, os de Drana. Ariaus desceu a escada o mais rápido que seus pés conseguiam, o ferro quente dava a sensação de estar andando sob brasas. Ariaus sabia que a escada era enorme, lembrava-se de sua queda dali, que parecia nunca ter fim e também sabia que lá embaixo o cheiro era infeto e o ar quente. Enquanto seus pés saltavam de degrau em degrau, perguntou-se como aquela torre havia sido feita e que tipo de engenho foi usado ali, afinal, os quartos eram quentes, o corredor era gélido, o ferro da escada era quente, mas o ar continuava frio e só lá embaixo esquentava de novo. Ficou tentando achar respostas para essas perguntas até que viu uma pequena luz alguns metros abaixo.

Estava chegando.

Preparou-se emocional e fisicamente, sabia que não podia sair lá fora com cara de assustado ou perdido, muito menos de bonzinho, agora era um soldado negro, não tinha medo nem dúvidas, era do mal e tudo nele devia aparentar isso, desde sua voz e sua expressão até seu modo de andar.

A luz no fim da escada aumentava, Ariaus já podia sentir o ar quente surgindo e seu coração se acelerando com a aproximação. Queria que a escada acabasse logo, estava quase se jogando, já que teria que enfrentar a coisa lá embaixo então preferia que fosse logo. A ansiedade chacoalhava em seu estomago.

A claridade foi se intensificando, agora não havia mais frio e os degraus da escada ardiam sob os pés de Ariaus, já cansado de descer, ele encontrou o chão e pulo o último degrau.

A frente dele estava uma grande porta de ferro, a porta estava aberta e todo o barulho, todo o calor e o cheiro de podridão entravam por ela. Ariaus engoliu a sensação que lhe subia pela garganta, tentou colocar em seu rosto o que julgava ser uma cara de mau, levantou os ombros e caminhou para fora com passos decididos.- tentando imitar um pouco de Ferilam. Do lado de fora o chão era seco e rachado, como o de um deserto, havia dois grandes centauros, um de cada lado da porta, segurando grandes lanças escuras. Eles olharam para Ariaus, surpresos, suas sobrancelhas uniram-se e suas testas franziram-se com a desconfiança. Então Ariaus falou, com a voz mais segura e arrogante que conseguiu:

- o que estam olhando cavalos? Estão aqui para olhar para a cara de seus senhores ou para guardar estas portas dos indesejáveis?

- Para guardar a porta dos indesejáveis, senhor.- respondeu o centauro ruivo da direita baixando a cabeça numa reverencia.

- Exato, e não conhecemos o senhor.- falou desconfiado o centauro escuro da esquerda.- quem garante que o senhor não é um indesejável?

- Ah sim, e por onde entrei então?- perguntou Ariaus erguendo a sobrancelha para o centauro.- não me lembro de ter passado por vocês e acho que vocês também não se lembram de mim.

- Não mesmo. – falou o centauro escuro.- e se não passou por nós, como entrou na torre?

- Vou lhe dizer como vai descobrir isto.- disse Ariaus com impaciência.- Suba até o ultimo degrau da escada, passe pela harpia que lá esta e bata na porta do quarto que ela guarda. Quando a porta do quarto se abrir pergunte a mulher que esta lá dentro como Ariaus Plemancof entrou na Cúpula das Trevas.

Os olhos escuros do centauro ficaram cheios de medo, ele baixou a cabeça e disse numa voz redimida:

- perdoe-me senhor, meu dever é guardar estas portas.

- Foi o que eu disse.

Ariaus saiu caminhando com o nariz empinado e seu passo decidido, deu a volta na torre e encontrou o acampamento do exército de Drana. Havia dezenas de barracas velhas, ninhos de madeira velha queimada, montes de farrapos e feno. Orcs e centauros andavam de um lado para o outro falando em seus rosnados inteligíveis, harpias e aguoros dormiam encarrapitados nos topo de árvores velhas e nos ninhos miseráveis. Mas a maioria das criaturas que estavam ali passavam carregando as grandes toras de madeira, grandes barras de ferro, martelos, bigornas, machados...

Ariaus adiantou-se até um orc próximo para tentar perguntar o que estava sendo construído e desejou que o orc não arrancasse sua cabeça.

- ei você, orc nojento.- chamou ele e o orc velho de apenas um olho, o mirou curioso.- o que esta sendo construído?

O orc olhou para a cara de Ariaus, virou a cabeça de um lado para o outro e emitiu um rosnado sem sentido.

- o que é? Fiz-lhe uma pergunta escravo, responda!

Mas o orc só grunhiu novamente e saiu andando.

- maldito!

Ele então se virou para uma harpia negra que mastigava algo de aparência grotesca, aninhada num monte de feno.

- você, harpia, eu ordeno que me diga: o que esta sendo construído pelos orcs?

A harpia o olhou com os olhos perigosos, e então empinou o bico afiado para o alto e farejou o ar.

- quem é você?- perguntou a harpia numa voz embromada e perigosa.

- Sou Ariaus Plemancof,- respondeu ele com convicção.- sou aliado da rainha das trevas.

- Não, não é.- rosnou de novo a harpia, farejando o ar novamente.- o seu cheiro é estranho. Cheira aos homens desta terra.

- Sou desta terra harpia, um soldado revoltado contra seu rei.- respondeu Ariaus com firmeza, embora suas mãos suassem.

- Não, você não é um revoltado, você cheira a medo. É nojento! E não é um aliado, posso sentir o cheiro de sua carne suando, daqui.

A harpia levantou-se, a carne podre que mastigava caiu de lado, ela fitava Ariaus lambendo o bico com uma língua grotesca, num gesto de desejo. Seus pés de ave, com longas unhas sujas, avançaram um passo para Ariaus.

- fique onde está.- ordenou Ariaus autoritário, colocando as mãos para trás pois elas começavam a tremer.

- Você está suando, esta com medo, esta delicioso! – exclamou a harpia erguendo a garra para ele, lambendo o bico novamente.

- Afaste-se harpia insolente, vou mandar decapita-la!- gritou Ariaus recuando.

- Não vai não, você não é ninguém para isso.

- PAREE!!

- Rolvina, afaste-se agora!- uma voz grave e retumbante cortou o ar e fez a harpia parar com a mão erguida.

Ariaus e Rolvina olharam para o lado, lá estava parado um grande centauro de pelos castanhos. Era forte e estava sujo, a pele de seu peito humano estava marcada por diversas cicatrizes, um corte particularmente grande atravessava seu rosto na horizontal, indo de uma orelha a outra, cruzando suas bochechas e o nariz.

- afaste-se do homem Rolvina, ou eu mesmo irei tira-la daí.- rosnou o centauro.

Rolvina recuou para seu ninho, os olhos numa mistura de medo e raiva.

Ariaus tentou agradecer, mas todo seu corpo tremia e ele lutava para manter a calma e não estragar seu próprio disfarce.

- perdão meu caro senhor, Rolvina sabe como merecer a morte.- falou o centauro para Ariaus, curvando o peito numa reverencia.

- Esta tudo bem, obrigado centauro.- agradeceu Ariaus e sua voz saiu boa demais. Ele tentou reverter à situação.- E você,- ele se voltou para Rolvina.- seu eu vê-la longe deste monte de feno podre novamente vou mandar queima-la viva.

Rolvina lançou a ele um olhar de profundo ódio, mas com o centauro ao lado não se atreveu a passar disso, voltando a mastigar seu pedaço de carne podre.

- e você centauro, – começou Ariaus.

- Filderc, senhor.- apresentou-se o centauro.

- Que seja. Filderc, ordeno que me leve até o lugar onde estão construindo uma obra.

Filderc pareceu confuso de inicio e então seu rosto se iluminou com o entendimento e ele respondeu desconcertado.

- sinto muito senhor, mas tenho ordens da própria rainha para não deixar ninguém, além dos que estão trabalhando, se aproximar da construção.- falou Filderc em tom de desculpas.

- Então me diga o que esta sendo feito.- mandou Ariaus em seu tom arrogante.

- Perdão senhor, mas não posso dar nenhuma informação.- desculpou-se o centauro.

- Então terei que ir perguntar a própria Drana?- exclamou Ariaus com indignação.- terei que ir dizer a ela que nenhum de seus servos serviu para me dar uma informação e que um deles ainda tentou me devorar?

Rolvina encolheu-se em seu ninho.

- sinto senhor, mas acho que terá que falar mesmo com a senhora das chamas negras. – falou Filderc quase num sussurro.- as ordens para não falar a ninguém são explicitas e severas. Perdão senhor.

E antes que Ariaus podesse questiona-lo novamente Filderc deu as costas a ele e seguiu os orcs que carregavam o material da construção.

Ariaus ficou parado alguns minutos observando os orcs passarem, se perguntando se devia segui-los ou não. Será que Filderc o machucaria se o descobrisse xeretando?

Rolvina começou a se mexer demais em seu ninho, e percebendo que estava novamente sozinho com a harpia, Ariaus girou nos calcanhares e voltou pelo caminho da torre.

Ele não entrou novamente na fortaleza, ficou ali parado, encostado na parede quente, tentando achar um meio despercebido de seguir os orcs. Enquanto sua cabeça girava com as idéias, ele percebeu algo que não havia notado até aquele momento: havia árvores ali.

A alguns metros da torre negra havia uma parede árvores mortas, talvez restos do belo campo que um dia houve ali. Ariaus seguiu as árvores com o olhar, percebendo que elas corriam na mesma direção que os orcs da construção. Uma luz acendeu em seu cérebro. Ele olhou em volta, nenhuma criatura ali lhe dispensava qualquer atenção, os centauros que guardavam as portas da torre estavam a uma longa distância, se Ariaus apertasse o passo poderia chegar até as árvores sem ser visto.

Ele puxou sua túnica para perto do corpo, apertou as sandálias nos pés e foi na direção das árvores com o passo mais rápido que conseguia. Estava quase correndo, mas não se atreveu a faze-lo, chamaria atenção assim.

As árvores se aproximavam. Estavam todas queimadas, os troncos fracos e cheios de buracos. Ariaus se perguntou se agüentariam seu peso, embora fosse magricela.

Ele parou de cara com a parede de árvores, olhou para trás para ver se alguém o observava mas não notou nada. Olhou para a torre, será que alguma janela dava naquela direção? Não. Nenhuma das poucas janelas da torre negra estavam voltadas para as árvores. Então Ariaus começou a subir.

Sua primeira tentativa fracassou. Apressado, enfiou o pé num buraco do tronco, a madeira rangeu e se partiu ainda mais, derrubando Ariaus no chão. Ia ser preciso muita leveza e cuidado para passar por aquelas árvores velha, o menor descuido poderia entrega-lo ou mata-lo. De fato, se o pegassem ali ele iria morrer de qualquer forma.

Levantou-se e preparou-se para tentar novamente. Procurou um galho baixo para se pendurar e um espaço no tronco que não tivesse tantos buracos. Como um macaco agarrou-se num galho baixo, seus pés apoiaram-se com cuidado nos pequenos buracos do tronco e com jeito ele foi subindo pela árvore. Sua intenção era chegar até os galhos mais altos, para ficar o mais fora de vista possível. Ariaus se esquivava por um galho e outro, sempre se apoiando e segurando com cuidado, a árvore toda parecia ranger sob seu peso. Perguntou-se se havia chances da árvore desabar com ele. Ariaus percebeu que já estava numa parte relativamente alta da árvore, ainda havia alguns galhos fortes ali. Ele olhou para cima, não havia muito mais ali, os galhos acima de sua cabeça eram pequenos e fracos, não agüentariam nem metade de seu corpo, então ali estava bom. Procurou então os galhos da árvore a frente, iria pular de árvore em árvore até chegar ao lugar da construção secreta ou, o mais próximo possível. Achou então um longo galho quebrado que vinha da árvore à frente, se conseguisse escorregar por ele sem cair lá de cima já teria vencido o primeiro obstáculo. Ele pegou a ponta do galho, era fina e fraca demais para agüenta-lo, então escorregou sentado, mais para frente no tronco em que estava. Chegou então na parte forte do galho da frente e com muito cuidado passou uma perna e depois a outra, permanecendo sentado. Ariaus escorregou pelo tronco, encontrando outros pelo qual continuava seu caminho.

Vez por outra um galho rangia quando ele passava, um outro que parecia seguro, começou a se rachar sob seu peso e Ariaus então pulou para a árvore da frente segurando-se no primeiro galho que alcançou, no momento exato em que o galho velho se partia e despencava no chão com um ruído alto. Ariaus encolheu-se contra o tronco da árvore em que estava e esperou para ver se alguém havia notado aquele movimento.

Não houve resposta alguma lá embaixo, tudo estava quieto, então ele continuou.

No meio dos galhos escuros das árvores Ariaus não podia ter certeza se a luz acinzentada da cúpula das trevas continuava, ou seja, se ainda era dia, ou se a escuridão completa já havia caído. À noite. Quando havia oportunidade ele espiava para fora da parede de árvores e olhava o movimento dos orcs, ainda continuavam seguindo na mesma direção das árvores, então ele voltava para o escuro e continuava sua marcha complicada.

A distancia parecia nunca diminuir, Ariaus já estava cansado de se esquivar pelas árvores, arfava com o esforço de se segurar ou de fugir de um galho bem na hora de sua queda. Seu rosto, pernas e mãos ardiam com a dezena de pequenos cortes que os galhos e ramos faziam; agora ele sentia frio, fome e sede. Pensou se alguém, por ventura, teria ido até seu quarto, verificar se ele ainda estava vivo, se tinha comida e bebida ou se precisava de alguma outra coisa. Ou quem sabe, convida-lo para exercer alguma tarefa em nome de Drana, já que afinal, também era um aliado.

Não confiou muito nesse pensamento, até aquela tarde estava esquecido pelo mundo dentro daquele quarto e não importava quantas horas tivessem se passado desde que saiu, ainda tinha certeza de que ninguém havia se lembrado dele. Perguntou-se também se Ferilam já havia voltado com Hometec ou, se o rei havia em fim respondido suas mensagens, por algum motivo, ou falta de esperança, também não confiou nessas hipóteses. Decidiu então continuar, não sabia quanto faltava para chegar a seu destino e a melhor maneira de descobrir era continuar marchando. Tomou fôlego e se esquivou para outra árvore.

Alguém que tivesse contado o tempo diria que Ariaus estava naquela escalada por mais de seis horas, porém, para o próprio parecia que tinha passado toda sua vida naquelas árvores. Agora Ariaus tinha certeza de que era noite, a escuridão era total e nem a luz das distantes fogueiras chegava até ali. Á suas costas só havia o escuro e o indistinto desenho das árvores e a sua frente só havia o escuro e o indistinto desenho das árvores, porém ali havia uma coisa a mais, uma esperança, uma motivação: ao longe, sem a mínima idéia do quão longe exatamente, Ariaus podia jurar estar ouvindo o som de martelos, de gritos e coisas se batendo.

- eles estão lá.- murmurou esperançoso e com uma nova coragem.

Levantou então a barriga do galho que lhe comprimia o ar, respirou fundo e compeliu mais força, velocidade e vontade em sua marcha.

À medida que avançava o som ia ficando pouco mais alto, agora ele se jogava de galho em galho, sem se importar com os cortes e arranhões, ia tão rápido que os galhos mal tinham tempo de ranger enquanto ele passava. O som dos martelos era quase nítido agora , Ariaus podia ver luzes muito pequenas e bruxuleantes ao longe.

A adrenalina fervilhou em suas veias, estava louco para chegar até lá, ansioso e com medo, mas ainda sim a emoção era forte e ele forçou mais seus pulmões enquanto tentava ir mais rápido pelos galhos das árvores.

A distância foi vencida, Ariaus agora podia ver um grande cercado de arame com uma abertura estreita pela qual os orcs trabalhadores passavam. Não era possível ver nada lá dentro, somente a luz das fogueiras passavam pelo cercado de arame.

Ariaus se perguntou se era seguro descer da árvore e tentar espiar por entre as frestas do arame. Olhou bem à volta. Os orcs que passavam carregando materiais estavam a uma boa distancia dele, se continuasse sendo discreto e silencioso talvez conseguiria dar uma espiada.

Com cuidado então, desceu da árvore e caminhou por trás dos troncos até ficar o mais longe possível da entrada dos orcs. Ariaus se aproximou do cerco de arame e com cuidado para não furar as mãos, tentou espiar lá dentro.

As brechas eram muito pequenas e a confusão de orcs e centauros indo de um lado para o outro tornavam a visão ainda mais difícil. Silenciosamente então, ele caminhou mais para o lado, tentando achar um local onde a visão fosse melhor.

Uma brecha maior então apareceu e ele tentou distingui alguma arma gigantesca no meio da confusão de orcs e centauros. Ariaus agradeceu a presença das fogueiras e archotes, pelo menos o lugar era bem iluminado, mas infelizmente ele não conseguia ver nada, ou melhor, não conseguia distingui nada, o lugar estava cheio de madeiras, barras de ferro, machados, martelos e outros instrumentos largados por toda parte e no meio dessa confusão Ariaus não conseguia achar nenhuma arma secreta que podesse ser usada contra Eleon.

Ele então se endireitou. Uma idéia súbita brotou em sua mente. Pensou então se seria muito arriscado entrar no cercado com sua pose de vilão arrogante e xeretar por ai, tentar descobrir o que estava sendo feito. Mas lembrou-se de Rolvina. E se outro orc ou um centauro mal humorado decidisse implicar com ele? E havia também Filderc. E se o centauro estivesse lá dentro? Ele deixou muito explicito que Ariaus não podia entrar lá e nem saber o que estava sendo feito, mas será que ele teria uma reação violenta se pegasse Ariaus espreitando por ai? Ele caminhou de novo para trás das árvores e espiou a entrada pelo qual as criaturas passavam.

O movimento era pouco agora, poucos orcs entravam a maioria agora saia. Ariaus supôs que o horário de trabalho estava acabando. Então respirou fundo, ergueu seus ombros e empinou seu nariz, refazendo sua pose de vilão arrogante e saiu pisando duro em direção à entrada do cerco.

Alguns orcs do lado de fora se voltaram para ele e rosnaram com cães bravos. Ariaus virou-se para eles e ralhou:

- o que estão olhando cães sarnentos? Por que não estam trabalhando? Imprestáveis!

E deu as costas a eles antes que houvesse uma resposta, mas ouviu rosnados á suas costas.

Ariaus entrou no cerco de arame e um arrepio passou por seu corpo. Apesar de o lugar ser sede de uma construção, era amedrontador. As grandes fogueiras e tochas não eram exatamente como Ariaus esperava, apesar de transmitirem claridade, as chamas eram escuras e dançavam como cavaleiros negros e ameaçadores. Havia poças de lama e água suja por todos os lados onde jaziam mortos pássaros, plantas e até mesmo peixes. Espalhados por toda parte havia montes de ossos de pequenos bichos, provavelmente a refeição. As grandes toras de madeira, pedaços enferrujados de ferro e vários instrumentos de trabalho se espalhavam pelo chão, sujos e danificados, empatando o caminho de quem passava. E por sinal eram poucos os que passavam, para o alivio de Ariaus o lugar estava quase vazio, poucos centauros passeavam de um lado para o outro, jogando martelos e barras de ferro aqui e ali. Os orcs já saiam e não restava quase ninguém. Então Ariaus apertou o passo e tratou de descobrir logo o que estava sendo feito. Passou pelas fogueiras escuras e aterrorizantes, cuidando pra manter certa distância das chamas e o medo longe de sua expressão. Seus olhos percorriam toda parte mas não detectavam nenhuma construção, nenhuma obra estranha, nenhuma arma grande e perigosa. Se não estivesse tão convicto de que havia algo suspeito ali ele poderia ter concluído que era só um depósito fedorento de materiais e ter voltado para seu quarto na torre. E ao pensar em seu quarto, a esta altura o lugar mais confortável e acolhedor do mundo, pode notar o quanto seus pés doíam ,o quanto os cortes das árvores, escondidos sob suas mangas, ardiam e o quanto seu estomago e sua garganta se contorciam de fome e sede.

Mas a falta de evidências não o desanimou, seu instinto acusava aquele lugar e aquelas coisas no chão, ele continuou caminhando e olhando tudo a sua volta com total atenção, desde uma pedra com formato estranho até as grandes madeiras cortadas ou queimadas. O cercado era maior do que ele esperava, tinha certeza de que já havia caminhado quase cem metros e ainda não havia encontrado nada. Começava a se aborrecer, a toda hora seus pés atolavam nas poças nojentas e podres, ou tropeçavam em algum esqueleto ou corpo em decomposição, seu estomago vazio se revirava de náusea e o cheiro fétido o deixava quase sem ar.

Ariaus parou então para respirar, estava obrigando seus pés a andarem mais rápido do que conseguiam, devido ao cansaço e as péssimas condições do lugar. Apoiou as mãos no joelho e curvou-se sobre si mesmo, tentando obrigar o pouco de ar descente que havia ali a entrar em seus pulmões. Então...

- ei você!

Uma voz grave a suas costas fez Ariaus pular e seu coração acelerou descontroladamente. Mas ele ergueu-se, refazendo sua pose e voltou-se para quem o chamava.

Filderc o mirava com olhos ameaçadores.

- o que esta fazendo aqui senhor?- perguntou o centauro com raiva na voz.

- Estou inspecionando centauro,- respondeu Ariaus e ficou satisfeito com o tom de sua voz.- alguém tem que garantir que o trabalho esta sendo feito.

- Exato. E sou eu quem faz isso.

Ariaus pegou a ameaça na voz de Filderc, a ameaça e o fato de que foi descoberto. Podia ainda ser um aliado para o centauro, mas sem dúvida era um intruso. Mas Ariaus não desistiu.

- acha mesmo que Drana confia totalmente em um centauro burro feito você?- atacou ele.- é claro que não. É preciso um homem de verdade, que tenha um cérebro de verdade, para se certificar de que vocês estão trabalhando e que estão fazendo o serviço direito.

- Exato.- repetiu Filderc, agora seus olhos brilhavam de malícia.- e é por isso que acabo de sair da presença da Senhora das Trevas e ela acaba de deixar claro, mais uma vez, que devo me certificar constantemente de que o serviço esta sendo bem feito e de que ninguém esta entrando neste lugar a não ser os que estão trabalhando.

O estomago de Ariaus afundou.

Filderc deu um passo a frente, um longo sorriso de dentes amarelos e perigosos se espalhou por seu rosto, sua cicatriz de esticando como uma cobra nojenta. Ariaus recuou.

- mas é claro que o senhor não tem o que temer não é mesmo?- continuou Filderc num tom animado e cruel.- já que também esteve na reunião e já que a Senhora das Trevas lhe deu mais créditos do que a mim não é? Por que esta indo para trás? Esta com medo de um centauro burro?

- Não.- Ariaus estacou.- não tenho porque teme-lo. E se me tocar terá de se explicar com Drana em pessoa.

- Sim. E se eu o tocar você terá de explicar a Drana o que estava fazendo aqui sem a permissão dela.

Ariaus apertou as mãos para que não tremessem.

É claro. Se Filderc o pegasse não iria mata-lo, iria fazer pior, iria leva-lo para Drana e ai estaria tudo acabado. Mesmo que ela ainda o considerasse um aliado iria mata-lo do mesmo modo por desobedecer a suas regras, sem contar que estar xeretando no lugar proibido era algo muito suspeito.

- então senhor, terá a bondade de me acompanhar até a senhora Drana, ou terei de pegá-lo a força?- perguntou Filderc estendendo uma mão suja e cheia de calos para Ariaus.

No primeiro momento Ariaus permaneceu parado feito uma estatua, podia quase ouvir seu coração batendo rápido e o suor se formando em sua testa. Estava tudo tão silencioso, onde estava o barulho dos orcs e das outras criaturas?

Filderc ainda o mirava com seu sorriso cruel e o braço estendido para ele.

Ariaus o encarava amedrontado, seu corpo estava travado de pavor, não conseguia ter uma reação.

- vamos?- pediu Filderc e deu outro passo para Ariaus.- temos que ver a sen....

Ariaus então destravou e tão rápido que se surpreendeu, seus pés giraram e ele disparou na direção oposta a Filderc. No mesmo instante pode ouvir os cascos do centauro vindo atrás dele. Quatro patas ágeis contra dois pés lentos, mas era apostar na sorte e correr ou se entregar. As pernas de Ariaus correram mais rápido, seus pés ardiam e ele podia sentir filetes de sangue escorrendo, seu abdome se contraia com força lhe roubando todo o ar, Filderc parecia estar bem em cima dele, mas ainda não o havia pegado e ele não facilitaria as coisas, mesmo que morresse correndo. Jogou as pernas pra frente para impelir mais velocidade e ....bateu em alguma coisa dura e caiu. Automaticamente seus olhos se fecharam, mas ele sentiu a terra, as pedras, os ferros e sabe deus o que mais, passando por seu corpo como força e velocidade e arrancando sangue e pedaços de pele, seu nariz bateu com força numa pedra, tentou gritar mas não conseguiu, um dor fumegante inundou sua cabeça e ele continuou rolando morro abaixo sem parar. Morro abaixo? Não havia morro ali, não era tudo plano? Mas seu corpo então parou, mergulhando numa poça de água fria e mal cheirosa.

Ele não conseguiu se mover. Ficou ali parado e imóvel esperando que filder caísse sobre ele e o matasse ou, se ainda fizesse questão, o arrastasse até Drana. Os minutos se arrastaram, sua cabeça palpitava e ele podia sentir o nariz quebrado sangrando, preferia nem dar atenção ao resto de seu corpo ou então pediria para morrer ali mesmo. Mais alguns minutos e nada aconteceu. Cadê Filderc?- pensou ele.

Com um esforço sobrenatural Ariaus rolou na poça d’água, ficando de barriga pra cima. Abriu os olhos que pareciam pesar toneladas, sua visão estava embaçada, mas a forçou mesmo assim, até que as coisas começaram a ganhar forma.

Estava no fundo de um imenso buraco, uma cratera para melhor dizer, era simplesmente imenso e entendeu porque Filderc não veio atrás dele: iria morrer ali, não iria conseguir subir. Fechou de novo os olhos, seu rosto estava ensopado da água suja, mas ainda sim notou que chorava, um desespero horrível caindo sobre seu corpo. Pensou em tudo o que havia lhe acontecido, lembrou-se de uma época muito distante num belo castelo de uma terra de fogo vivo, onde tudo era belo mas ainda sim as pessoas o tratavam com desprezo. Ariaus o intruso, o bisbilhoteiro que estava sempre xeretando as coisas dos outros, tentando descobrir os segredos das pessoas... sempre foi tratado como um homem de pouca confiança, mas vejam só, arriscou sua vida por seu rei, se tornando um espião, se infiltrando na casa da rainha das trevas, da inimiga mortal. Mas ainda sim não lhe deram valor, por que nunca responderam a suas mensagens? Por que nunca respondiam suas suplicas por noticias? Será que o mandaram para aquele inferno só para morrer? Será que no fundo tudo aquilo era uma forma de se livrar de Ariaus, o bisbilhoteiro imprestável? “É tempos de guerra, preciso de homens úteis, não homens inúteis.”- sempre dizia o rei Amintor. Será que ele, Ariaus, era um homem inútil, por isso o mandaram para lá? Um atoa a menos para se preocupar? Lembrou-se então das palavras do capitão Julius, agora muito distantes, no dia em que ele o deixou na beira do campo das Orquidias de Len.

“Eu não confio em você, mas se meu rei confia, eu passarei a confiar.” Se o rei Amintor tinha certa consideração por ele, então por que o abandonou ali? Lembrou-se também de Ferilam, até o Senhor da Magia Negra, o mago mais poderoso de Drana, em quem ela mais confiava ali, se arriscou para ajuda-lo, para ajudar a Eleon, mas a própria Eleon o esqueceu.

Ariaus Plemancof, o espião do rei Amintor, de Eleon a terra do fogo, fechou os olhos para morrer. Era certo de que não iria sobreviver, seu corpo estava em farrapos e nunca conseguiria sair daquela cratera naquele estado. Desejou que a guerra acabasse e que tudo ficasse em paz, e então esperou por seu fim, agora muito tranqüilo, se comparado com a situação em que estava minuto antes.

Ariaus pode sentir a morte aproximando-se de seu corpo, o balançar de águas distantes , o toque frio do fim dançando por seu rosto, um hálito podre e um rosnado baixo.... HÁLITO PODRE E ROSNADO BAIXO??

Os olhos de Ariaus se arregalaram para o escuro. Seu coração perdeu o compasso e o sangue esfriou em suas veias, ao seu lado, debruçado sob seu corpo, cheirando os machucados em suas pernas, estava o pior monstro de que ele se lembrava de já ter ouvido falar. Sua respiração parou.

O monstro, fosse o que fosse examinava cada parte de seu corpo como um cachorro cheirando algo desconhecido, então seu coração deu outro pulo descontrolado, o monstro não estava apenas cheirando, estava avaliando para a refeição.

A cabeça de Ariaus rodou a mil por hora, tinha que escapar dali, tinha de arranjar um modo....o tamanho daquelas presas...não queria ser devorado por aquela coisa, aquilo não! O desespero e o medo o sufocavam, o cheiro ruim do monstro poluía todo o ar, estava sufocando! Uma coisa estava subindo por sua garganta, se mexendo, ah não, não podia vomitar agora, agora não. Estava vindo, ia sair e...

- SOCORROO!!

Um grito alto e desesperado irrompeu por sua boca, tão alto e tão forte que ele sentiu a garganta arde, mas de repente então, ele se calou. Um rosnado superior a seu grito furou seus tímpanos e uma pata enorme cortou o ar e as garras gigantes e afiadas cruzaram seu rosto causando uma dor dilacerada que queimava feito fogo.

- AAAAhhhhh!!

Ariaus rolou para o lado e tentou se erguer, a criatura saltou sobre ele e as garras cruzaram o ar de novo, rasgando suas costas e fazendo-o gritar desesperadamente de novo. Seus braços se estenderam para o pé do barranco e ele tentou se rastejar até lá, mas a pata pesada do monstro prendeu seu corpo contra o chão o peso terrível fazendo seu ossos rangerem, seus pulmões estavam sendo comprimidos contra o chão lamacento, um ranger fraco, como o dos galhos pelos quais ele chegou até aquele cercado maldito, saia por seus lábios, o som de suas costelas se partindo ecoando como tambores no silêncio. Seus olhos quase cegos pela dor contemplaram o alto do barranco, então ele percebeu no que seu nariz bateu, não foi numa pedra como pensou, foi numa tora de madeira. A grande cratera era cercada e fechada pelas gigantescas toras de madeira, todas com as pontas cortas e afiadas.

Não estavam construindo nada, estavam cuidando. O cercado não era uma construção, era uma jaula. Ariaus sentiu o bafo do monstro em sua nuca, os pelos molhados roçavam em seu pescoço, a coisa estava se preparando para abocanha-lo.

Ariaus então fechou seus olhos apertados, suas mãos apertaram a lama no chão e ele se preparou para o bote, o bicho rosnou e Ariaus pode sentir a saliva da criatura caindo em seu pescoço quando ele abriu a boca e .....

O bicho urrou e saltou de cima dele.

Ariaus ainda apertava seus olhos se perguntando porque o bicho urrava feito louco. Ele então abriu os olhos e contemplou suas próprias mãos, pasmo.

- PELO FOGO SAGRADO!- gritou fraco.

Suas mãos e todo o resto de seu corpo ardiam num fogo tão intenso que cegava o monstro, alguns pelos do bicho queimavam e ele urrava, mas o monstro se esfregava no chão e as chamas estavam se apagando, Ariaus então fechou seus olhos e se concentrou. Seu corpo deixou o chão lamacento.

Ele abriu os olhos e pode ver que seu corpo subia vagarosamente, chegaria ao topo, sairia de dentro da jaula. Ariaus observou o monstro ainda se esfregando na lama. Olhando-o de cima pode ver sua verdadeira altura, era imenso, seus músculos pareciam blocos de pedra cobertos de pelo, suas presas e suas garras poderiam cortar três homens ao meio de uma só vez, e ao pensar nisso Ariaus reparou que seu rosto pingava e sua visão estava embaçada pelo sangue, suas costelas quebradas doíam loucamente, não conseguiria ficar de pé. Estava agora quase no alto do barranco, faltava pouquíssimo quando o monstro virou a cabeça para cima e o encarou, Ariaus fechou os olhos para não encarar o bicho. Houve então um rugido alto e o bicho saltou contra ele, sua cabeça gigantesca acertou Ariaus jogando-o contra as toras de madeira que fechavam o buraco. Ariaus gritou quando seu corpo danificado bateu contra a madeira e caiu, ele pode ver, pela fresta dos olhos, o monstro caindo de novo dentro da jaula.

- Aahh.- gemeu Ariaus e ficou largado no chão, cada canto de seu corpo gritando de dor.

Houve um longo momento em que ele sentia a consciência indo embora, então de repente seus lábios se abriram e ele se surpreendeu rindo, não era um riso de alivio nem de felicidade tão pouco, era um riso desesperado, louco e descontrolado...Ariaus caiu num ataque de histeria. Ele não tentou se controlar, deixou que sua risada lunática saísse misturada com gotas de sangue e lágrimas de alivio, em fim. Depois de longos minutos Ariaus então se acalmou, ele contemplou o céu escuro e agradeceu por estar vivo. Não sabia se estaria vivo dali a meia hora, ou se conseguiria chegar vivo até seu quarto na torre, mas naquele instante estava vivo e poderia apreciar por mais algum tempo a arte sutil de respirar.- ainda que com dificuldade.

Uma brisa suave bateu e Ariaus se espantou que houvesse algo tão bom quanto uma brisa naquele lugar horrível, seus olhos se voltaram novamente para o céu escuro e seu coração pulo.

- NÃÃOO!

O entendimento bateu na cara de Ariaus com uma mão de ferro e balbuciando palavras sem sentido ele se apoiou numa grande tora de madeira e ergueu-se com um grito sufocado. Suas costelas arderam e ele se segurou com firmeza para cair.

- Seja forte Ariaus! Seja forte!- berrou ele para si mesmo.- Eleon precisa de você. Você tem que chegar á torre.

E com um esforço arfante ele compeliu seu corpo para frente num passo cambaleante. Ariaus se abraçou, tentando sustentar as costelas no lugar e foi cambaleando de volta pelo cercado, seus pés se cruzavam como os de um bêbado, a dor mastigava seu abdome, mas ele a engolia e segurava as costelas.

Agora tudo estava deserto e seu alivio se tornava cada vez maior, mas se perguntava como entraria na torre, será que ele conseguiria pas...

- não acredito! Você está vivo!

Seus olhos correram pelo escuro tentando achar Filderc, o encontrou então a alguns metros a sua esquerda, olhando-o pasmo.

- o que é aquilo?- perguntou ariaus, sua voz subindo uma oitava, sem se preocupar em disfarçar seu medo e desespero ou em fazer pose de vilão.

Filder riu.

- O Ultróri o assustou?- zombou ele.- é normal, confesso que até eu me assusto com ele às vezes. Você esta bem? Isso ai parece estar doendo.

- Impressão sua.- disse Ariaus com um sorriso fraco.- nunca me senti tão revigorado. Devia experimentar.

O sorriso maldoso se espalhou novamente pelo rosto de Filderc e Ariaus percebeu o perigo.

- talvez eu experimente, mas depois.- disse ele com pausa, a maldade pulando em suas palavras.- primeiro tenho que terminar o que o Ultróri começou.

E antes que Ariaus podesse piscar Filderc saiu galopando na direção dele, um grande machado se erguendo em sua mão. Mas Ariaus então fechou seus olhos com força e berrou:

- Étes GOLDEN ÉDEN!

Ariaus Plemancof sentiu a lamina pesada do machado de Filderc, o centauro de Drana, bater em seu peito no momento em que o chão lamacento sumiu de seus pés e ele caiu sob um chão duro e gelado.

*******************CONTINUA*************************

Caroline Mello
Enviado por Caroline Mello em 16/08/2009
Reeditado em 21/08/2009
Código do texto: T1757272