Uma Simples Mulher - Capítulo 4

Capítulo 4 – Querer é Poder

Vivíamos num ambiente conturbado e parecia que íamos nos deteriorando junto com a velha casa que por sinal nunca foi pintada em todos aqueles anos em que moramos nela. Pelo contrário, ficou mais velha, mais abandonada; as rachaduras nas paredes aumentavam, os móveis foram ficando maltratados; nada era consertado ou restaurado e nós também íamos crescendo meio aos trancos e barrancos.

Minha irmã Marli nessa época ficou noiva do Claudio; era um relacionamento meio estranho: ela abandonou a escola, não saía de casa, ficava bordando intermináveis toalhas em ponto cheio e escutando novelas no rádio. Ainda não havia televisão em nossa cidade.O Claudio era um moço reservado, educado, tocava violino! Minha irmã usava “rabo de cavalo”, saias rodadas e era muito bonita.

Eu estava no quarto ano primário e minha professora, D. Maria Helena era maravilhosa, perfeita e muito exigente! Tínhamos que escrever com caneta à pena, mergulhando no tinteiro até que a letra ficasse tão perfeita quanto à dela; só então ela autorizava o uso da caneta tinteiro, aquela que tinha o reservatório para a tinta.Para mim aquilo era uma tortura; eu era uma menina que andava descalça, de bicicleta, toda relaxada, uma verdadeira moleca. Eu era inteligente, tinha já lido toda a coleção do Monteiro Lobato, tirava boas notas. Mas era desleixada e nunca iria ter uma letra linda como aquela!

D. Maria Helena tinha três filhos; um deles era doente, precisava de alimentação especial e tratamento adequado; ela se desdobrava, cuidava da casa, dos filhos e do seu trabalho na escola com perfeição! Ela parecia tão distante de mim, inatingível, perto dela eu me sentia pequenina, inadequada, incapaz.

Hoje eu sei que ela é uma mulher excepcional, superior, não em orgulho ou vaidade, mas em capacidade e dedicação. Esteve sempre por perto de mim: foi minha professora no quarto ano primário, era minha vizinha de quarteirão e que surpresa, foi minha colega de classe na faculdade de Letras! Uma pessoa que iluminou a minha vida com seus exemplos e nem sabe disso em sua modéstia.

D. Maria Helena, minha querida, é com emoção que aproveito para me desculpar pelos escorregões no uso do vernáculo; esta sua aluna nunca foi nem será perfeccionista; se eu me preocupar muito com a forma não conseguirei a naturalidade para contar estas estórias... Beijos!

Minha pobre mãe ia tentando sobreviver em meio às vozes que ouvia: eram provocações, “acintes” como ela dizia. Parecia que ela vigiada o tempo todo, criticada e desafiada por essas vozes interiores. E ela se defendia como podia: brigava, falava alto, xingava.

Meu pai, coitado, também tentava à sua maneira sobreviver, sempre com as eternas dívidas, lutando com muita dificuldade. Nunca nos faltou nada; tudo o que queríamos comer íamos buscar no armazém do seu Martins lá na esquina e ele marcava na caderneta. Para as bugigangas, pequenos brinquedos e armarinhos, havia a lojinha da D. Clarice. E também a Padaria Aurora para o pão, o leite e os doces.

A vida era simples; não nos preocupávamos com luxo, pois não tínhamos vida social de espécie alguma. Apesar de sermos sócios do Clube, o melhor da cidade, não o freqüentávamos nunca. A sede de campo ficava pertinho, na mesma avenida onde morávamos, algumas quadras apenas. Eu ia sozinha, entrava e brincava no parquinho: tinha árvores enormes, balanços, gangorras, escorregador e areia. Tinha também um laguinho com peixes. Era uma delicia quando eu ia lá depois que tinha chovido, com tudo molhado e aquele cheiro bom de mato!

Um dia inventei que queria nadar. Havia só uma piscina grande, olímpica, que existe até hoje; nem dava pé para crianças. Eu ficava de longe espiando as crianças pularem dentro da piscina, que delícia devia ser! Eu dei um jeito de agarrar minha mãe pela mão e fiz com que ela fosse ao clube comigo. Fomos entrando pelo vestiário, nem me lembro se eu tinha um maiô ou um short, sei que corri para a piscina e fui descendo pela escadinha para dentro da água. Que delicia! Mal eu tinha entrado, com minha mãe ali ao lado olhando, lá veio a D. Ziza, a funcionária que cuidava da piscina. Eu me lembro bem dela, era alta, magra, cabelos compridos presos num coque, morena; trabalhou lá muitos anos e era muito conhecida. (seu filho se tornou um famoso jogador de futebol). Ela perguntou:

-Vocês são sócias?

Minha mãe disse que sim. Então ela explicou que para nadar era preciso primeiramente fazer um exame médico...

Tive que sair da água toda envergonhada, foi meu primeiro “mico” social. Mas não pensem que desanimei. Fui fazer o tal exame médico e comecei a ir sozinha. Entrava na piscina, ia me segurando nas bordas até o canto e me soltava, empurrando com os pés até alcançar o outro lado do canto. As outras crianças iam me ensinando e aos poucos eu estava nadando, não com perfeição, mas já me virava bem.

Já desde aquela época sei que uma força interior me conduzia; as circunstâncias da vida não eram fáceis, mas algo muito forte, que todos nós temos sempre me impulsionou.

E agora eu sei que “querer é poder”!

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Abraço a todos

Malu.

Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 18/08/2009
Reeditado em 13/10/2009
Código do texto: T1761244
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