Uma Simples Mulher - Capítulo 6

Capítulo 6 – A Vida Correndo Solta...

Minha irmã finalmente casou-se; foi uma cerimônia simples; o coquetel foi em casa mesmo; ainda não se usava tanto os salões de festa ou bufês. Nem sei como ela conseguiu fazer a festa: meu pai sem dinheiro, cheio de dívidas; minha mãe totalmente desligada; mas deu tudo certo. Foram morar numa casinha nova no bairro de S. José. O Cláudio era bancário e pelo que sei meu pai havia arranjado esse emprego para ele.

Nessa época tínhamos uma empregada, a Vitalina. Era solteira, morava com os pais numa casinha no bairro de São Bom Jesus. Ela freqüentava a igreja do Carmo, era filha de Maria. Ficamos amigas; ela me levava às missas, quermesses, procissões. Eu adorava ir aos domingos a casa dela: era muito simples, chão de terra batida no quintal; dentro da casa o chão era de tijolos bem limpinhos; muitas imagens de santos e anjos. O pai dela fumava cigarro de palha agachado na soleira da porta. A mãe era baixinha, andava por toda parte com uma sacola grande de feira. Tudo tão limpinho, tão simples... Depois ela se casou, foi morar em outra cidade.

Uma vez eu encontrei com a mãe dela na rua:

-E a Vitalina, como vai?

-Ela faleceu...

-Como assim?

-Morreu no parto...

-Oh meu Deus! E a criança?

-Morreu também...

Fiquei muito triste. Mas a mãe estava completamente conformada.

E a vida corria solta... Fui crescendo e minha socialização se dava na rua, nas turminhas que se formavam para jogar bola queimada. Brincávamos, brigávamos, conversávamos. Comecei a escutar umas conversas de como nascem os bebês e fiquei admirada. Uma coisa estranha, vergonhosa, esse tal de sexo; é feito escondido, ninguém fala sobre isso...

-Meus pais também fazem?

-Claro, sua tonta! Como você acha que nasceu?

Fiquei boquiaberta. E já era grande, devia ter uns 10 anos. E havia as “piadas” mais ou menos “sujas”; as revistinhas pornográficas que passavam escondido, de mão em mão. Eu achava aquilo sujo, vergonhoso, mas não podia evitar uma excitação. Comecei a ler livros mais “realistas”; tocava em meu corpo e sentia prazer, mas ao mesmo tempo achava aquilo meio esquisito, errado...

Havia aspectos da vida estranhos, assustadores, e dos quais não se falava.Ao mesmo tempo, eu tinha muito medo que falassem de mim, que me apontassem, que me acusassem de coisas erradas. Não sei por que, mas sempre me sentia culpada, inadequada, parecia que eu tinha feito coisas erradas.

Meu pai ameaçava, parece que me via como uma pessoa não confiável, fácil de ser levada para o mau caminho.

-Não quero saber de namoros. Não vá fazer como sua irmã, que arranjou namorado e parou de estudar! Tem que estudar, nada de namorado!

E eu acabava me sentindo culpada, sentia-me esquisita, diferente: eu tinha desejos, queria um namorado mas pelo que meu pai dizia isso era muito errado! Hoje sei que essas sensações são comuns na adolescência, mas na época pensava que só eu me sentia assim.

Na escola eu ia bem, continuava lendo muito; no que se referia à religião eu era meio rebelde. Tinha feito a primeira comunhão meio forçada pela escola; havia me confessado sem saber o que dizer ao padre; a igreja era para mim um local triste, fechado, escuro e eu não entendia o que significavam aqueles rituais.

Estava naquela fase de rebeldia da adolescência: colocava bem alto o som do rock, dançava, me olhava no espelho e me sentia sedutora e ao mesmo tempo tão desajeitada...

Começaram então os namoros. Havia um vizinho, o Pedro, achava-o bonitinho. Um dia trocamos um beijo à luz do luar, muito romântico! Mas não passou disso, meu pai era bravo:

-Nada de namoro, tem que estudar. Já não basta a Marli ter parado de estudar!

O Cláudio, meu cunhado, tinha um irmão, o Clodoaldo. Eu o admirava; achava-o culto e inteligente. Ele era mais velho uns seis anos. Eu estava na oitava série, ele na faculdade de direito. Ele escrevia lindos poemas dedicados a mim; era discreto, educado. Encontrávamo-nos no jardinzinho, perto do Estádio Municipal.

Que tempo bom, romântico, cheio de perfumes das flores e poesias! Ele me mostrava os poetas, a literatura. E eu lia, lia tudo o que aparecia. Comecei a freqüentar a Biblioteca Pública, que ficava na Rua Padre Duarte, num casarão antigo. Comecei a ler Zola, Vitor Hugo, Guy de Maupassant, Balzac. Não sei por que, mas a literatura francesa me fascinava. Lia também os portugueses, principalmente Eça de Queirós; os brasileiros, principalmente Machado de Assis, e os Best Sellers estrangeiros. Lia tudo que aparecia, ao leo, sem orientação.

O namoro com o Clodo terminou: eu era muito criança e não correspondia aos seus ardores românticos...Mas as lembranças ficaram para sempre.

Nessa casa da avenida D. Pedro passei todo o final do primário, o ginasial e o começo do curso normal. Mas está me escapando tanta coisa: a formatura da quarta série do ginásio, os colegas cujos rostos e nomes se apagaram da minha memória...

Interessante como a vida é tão real e ao mesmo tempo tão irreal: percebo agora que real mesmo é só este momento; o passado se desfaz como se nunca tivesse existido; é como sombra, como fumaça que se esvai no tempo e volta a fazer parte da energia criativa do Universo, a qual está sempre criando o momento presente!

E como isso é bom!

Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 20/08/2009
Reeditado em 18/10/2009
Código do texto: T1765027
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