Uma Sincera Indagação a Deus



Estando consumada a venda do posto de gasolina, meu marido recebeu uma parte do dinheiro à vista e eu achei que era hora de comprarmos uma casa.

Apareceu uma num ponto bom, perto do cemitério e, portanto perto do Clube.
Local sossegado, residencial. O Mauro relutou um pouco, quase encrencou por causa de uma diferença no preço; mas finalmente compramos a casa.

Era uma casa antiga que já havia sido ampliada e reformada várias vezes. O terreno era grande, com corredores dos dois lados e quintal. Na frente um muro alto e dois portões de madeira, um pequeno e do outro lado um grande para entrada de carros. Estava toda pintada de branco, com as janelas antigas e as portas pintadas de azul marinho, no estilo colonial. O carpete da sala e dos quartos também era azul marinho. Não tinha suíte, apenas dois quartos, um na frente, dando para a sala e outro perto da copa e do banheiro.

Resolvemos construir mais um quarto cuja janela dava para o quintal; ficou sendo o nosso quarto; o outro ficou para o Maurinho que já estava com dois anos.
O quintal era todo calçado, mas havia uma goiabeira grande e uma jabuticabeira.
Na saída da porta da cozinha fizemos um terraço coberto para uma nova cozinha, uma lavanderia com tanque e a máquina de lavar roupas e um banco comprido feito de alvenaria para quando houvesse churrascos e reuniões com os amigos e a família. Lá no fundo havia ainda um quartinho e banheiro de empregada.

Para mim estava ótimo. Eu me sentia feliz na nova rua; gostava de caminhar e admirar as enormes árvores e as flores na porta do cemitério.
Meus sogros se reaproximaram; alugaram uma casinha na mesma rua, a duas quadras da nossa. O avô Rubio vinha sempre brincar com o Maurinho, passeava com ele.

Meu marido resolveu retomar os estudos: queria fazer uma faculdade.
Prestou vestibular para engenharia agrimensura, na mesma instituição onde eu havia lecionado no curso técnico e iniciou o curso, tendo agora a experiêcia de estudante universitário que ele não havia tido ainda.

Ele não gostava da idéia de ter um único filho; eu na verdade achava que um era suficiente, pois para mim a experiência tinha sido intensa demais e eu ainda não estava suficientemente recuperada!
Ele insistia, dizia que agora tínhamos uma casa própria e que era o melhor momento para ter outro filho. Acabei concordando e no ano seguinte engravidei.

Nessa época eu já andava angustiada, sentindo-me um tanto deprimida; com a gravidez, piorei. Agora sei que toda a problemática da minha infância e adolescência estava se refletindo na minha vida presente, mas na época eu só sabia que me sentia angustiada, com um peso e uma tristeza que não sabia definir.

Quando eu estava no sexto mês de gravidez, o Mauro apareceu com a notícia que a turma da faculdade estava organizando uma viagem aos Estados Unidos para estudo da arquitetura urbana; iriam fazer um curso em New York e depois viajar por várias cidades americanas. Ele me convidou, mas já sabendo que eu não poderia ir, pois estava em final de gravidez.
Eu realmente fiquei e ele foi viajar por um mês com a turma da faculdade.

Eu me sentia cada vez pior, angustiada, apreensiva. Agora eu sei que na verdade eu sentia tudo isso porque não queria mais uma gravidez; queria minha liberdade, viajar, estudar, aprender coisas novas; sentia-me presa; e ser uma dona de casa, mãe e professora não era uma realização suficiente para mim: minha alma ansiava por aventuras e novidades; e eu estava ali amarrada a novos compromissos familiares...

Hoje eu percebo tudo isso claramente, mas na época eu achava que tinha tudo o que uma mulher poderia desejar: saúde, casamento, casa própria, marido, filhos, tudo conforme manda o figurino, tudo conforme é o costume, conforme é o usual na nossa sociedade.
E ficava me questionando, perguntando a mim mesma o porquê de tantas angústias, duvidando de minhas próprias sensações e de meus próprios sentimentos.

Um dia criei coragem e resolvi marcar uma consulta com um psiquiatra: eu achava que tinha algo muito grave, que precisava de algum tratamento. 
Não contei para ninguém; fui sozinha e morrendo de medo (acho que eu temia que ele mandasse me internar, como tinha acontecido com a minha mãe!).
Quando me vi frente a frente com aquele homem sério me olhando e perguntando: - Qual é o problema, D. Malu? , eu fiquei apavorada e não consegui falar nada!
Ele marcou outra sessão e disse que só não me daria remédios porque eu estava grávida.
Quem disse que eu apareci?
Desmarquei. Tinha pavor de tomar remédios comuns, ainda mais psiquiátricos...

A Marília nasceu no dia 04 de novembro de 1976, também por cesariana. Eu queria ter amarrado as trompas; o médico não concordou, disse que eu era muito jovem; estava com 28 anos.
Era uma menininha lindinha, toda bem feitinha, boquinha, narizinho, tudo delicado e perfeito! Uma gracinha! Brava, chorona, sabia gritar alto e em bom som quando estava com fome, já tinha personalidade!

Claro que sendo a segunda criança, herdou todos os móveis do quarto do bebê. Eu arrumei tudo, passei o Maurinho para a cama de solteiro, ficou um quarto bonito e aconchegante.
Eu amava essa nova criaturinha que tinha vindo abençoar as nossas vidas, mas devo confessar que nessa segunda experiência como mãe eu já não estava tão entusiasmada...
Crianças exigem muita atenção, trabalho e dedicação e eu gostava demais do meu sossego, da minha privacidade, de ler um livro, pensar, meditar...
E alguém já viu mãe ter essas coisas?

Já o Mauro ficou apaixonado por aquela meninazinha; vivia pegando-a no colo, muito mais do fizera com o outro filho e confessava:
-Não sei explicar, mas sinto um amor tão especial por esta menina...

Eles foram crescendo...

Nessa época nós saíamos bastante, tínhamos uma vida social intensa.
Ao contrário de mim, o Mauro era muito sociável e arranjou muitos amigos na faculdade, inclusive entre os professores.
A turma de amigos era um pessoal mais refinado, engenheiros, médicos; eles moravam em boas casas, tinham um nível de vida mais elevado que o nosso. Freqüentávamos jantares, festas, bailes.
E nos carnavais continuavam as célebres bebedeiras e brigas...

Um dia ele chegou com uma planta de um loteamento: ia comprar um terreno na praia de Massaguaçu, perto da casa que havia sido vendida, pagando em prestações.
Começamos a construir; o Mauro comprou uma casa pré-fabricada, metade tijolo, metade madeira, no estilo alemão, com telhado em duas águas e aquelas janelinhas onde se colocam jardineiras cheias de flores!
Uma graça! Eu fiquei encantada!
O pessoal veio de Santa Catarina para fazer a montagem da casa, e nós viajávamos quase todos os finais de semana para acompanhar a obra.

O Mauro trabalhava muito no acabamento da casa, plantou árvores, fez o gramado, tudo com muito amor.
Nessa casa passamos férias deliciosas, só nós com as crianças; às vezes com os parentes e amigos que convidávamos.
Eu aproveitava demais a natureza; andava descalça, curtia a areia, o mar, a lagoinha que havia lá perto e onde íamos pescar e pegar ostras!

Eu ainda não sabia, mas estava se aproximando um momento de mudanças em minha vida; desta vez não se tratava de mudanças exteriores, mas sim interiores.

Eu já era professora efetiva, tinha prestado concurso para professor III em Língua Portuguesa e passei muito bem colocada; lecionava também numa escola técnica.

Parecia que tudo estava indo muito bem, mas eu sentia uma inquietação constante: não me sentia totalmente realizada como professora, nem como esposa, mãe, dona de casa.
Parecia que algo estava faltando, que alguma coisa muito importante estava esperando por mim, me chamando; e que essa coisa estava lá fora, no mundo, em outros lugares, outras cidades e que eu teria que sair dali se quisesse aprender, conhecer, saber mais sobre mim e sobre a vida.

Eu lia muito, pensava muito, mas nada respondia as minhas questões.
Não freqüentava nenhuma igreja ou religião, estava afastada de Deus.

Um dia eu me senti tão angustiada que, apesar de distante de qualquer fé, fiz uma prece realmente sincera:

- “Deus, preciso saber mais sobre a vida, sobre mim mesma. O que estou fazendo aqui? Para que existo? Por que sofro?”

A partir daí a busca realmente se iniciou.
E os caminhos que se abriram foram tão intrigantes e admiráveis que vale a pena contar...


            Fim   do Livro 1


                                                                                                    

Queridos leitores, estão gostando? Estou digitando os outros diários.
Vale a pena continuar publicando a busca de si mesma de "Uma Simples Mulher"?
Deixem-me saber, mandem seus comentários.
Abraço a todos,
Malu.
Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 31/08/2009
Reeditado em 15/11/2009
Código do texto: T1785361
Classificação de conteúdo: seguro
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