Na onda do amor tingido de sol

Na manhã em que abri os olhos pela primeira vez na praia da Boa, não imaginei que seria uma nova pessoa no final daquele Verão. Um verão maluco onde pensei que seria tudo menos feliz, minha mãe havia me deixado na casa do tio Kerry, o cara irresponsável da família para ir a mais uma viajem infinita de negócios e esquecer que eu existia.

O que uma nerd branquela e desengonçada de óculos e fã de sagas vampirescas como eu fazia numa praia cheia de sol e gente tão mareada como aquela? Era mais uma tentativa de misturar óleo e água, vinagre e azeite, mas todos sabem como uma mistura dessas é impossível. Pelo menos parecia até aquele dia, quando tentando encontrar a choupana do tio após sair e não me dar conta que eram todas iguais, acabei desmaiando com tanto sol na cara e quando abri os olhos novamente após alguns segundos, o sol agora tinha a forma humana de alguém que realmente merecia ter todo aquele brilho a sua volta. Logo me levantou perguntando se eu estava bem e eu com aquela cara que já não era grande coisa piorada com kilos de areia e maresia.

Não consegui falar nada, só resmunguei que estava tudo bem e fui cambaleando ao encontro do tio Kerry que lembrou ter uma sobrinha. Naquele dia não consegui lembrar mais nada a não ser daquele Semideus tingindo de sol e como mais uma vez eu havia pagado um mico conhecendo alguém que podia fazer diferença. No outro dia, convencida pela comida do tio, resolvi comer fora, e se não fosse isso, a sobrevivência, nada teria me feito sair de casa, pois indo para o quiosque a imagem disforme do semideus se fez presente em linhas cada vez mais reais e eu pude ver o quanto ele valia a pena.

Veio falar comigo, perguntou como eu estava e de novo só resmunguei sobre estar bem. O que eu não podia esperar é que ele pegasse na minha mão no segundo seguinte e me levasse para a água, coisa que jamais faria sozinha, realmente ele tinha a força e poder de sedução de um deus para fazer tal coisa comigo. Assim foi não só aquele dia, mas nos outros que se seguiram, acordando com os primeiros raios de sol e encontrando um mundo totalmente novo e abrangente lá fora, regido de areia para encontrar o azul emergindo profundamente em nossas almas.

Eu não era mais a mesma, o óculos havia se quebrado, o sol emanava da minha pele morena e as roupas eram mais folgadas que nunca, nem lembrava mais do mundo anterior do qual eu achava que morreria se saísse.

Tudo graças a Domenico, o rapaz misterioso que mudou a minha vida naquela praia num verão especial. Tanto que após tanto tempo ainda penso nele e me pergunto onde ficaria seu reino encantado, pois para mim, quando ele desapareceu numa onda no final do verão, ele não morreu, voltou para sempre a seu lar Netuno.