RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 6

A vida prossegue, continua e sempre traz novidades. Criança é uma maravilha. Tudo é bom e é sempre uma surpresa, qualquer objeto ganho é uma nova conquista. Eu gostava muito de rezar, fruto das inúmeras novenas que aconteciam no bairro, que eu freqüentava religiosamente todos os dias na companhia de minha mãe. Rezar passou a ser nossa brincadeira preferida. Os vizinhos todos vinham para meu oratório brincar de rezar. Os mais velhos tinham mesmo fé naquelas inocentes brincadeiras sérias. Havia até pedidos!

__ Reza para eu sarar.

__ Reza para minha filha viajar bem.

__ Reza para passar de ano na escola.

Eu rezava para tudo. Ganhava presentes, brindes e de vez em quando uns trocados. Davam-me velas e livrinhos de novenas. Sempre que havia uma romaria para um lugar santo, alguém trazia mais um para a coleção. Um dia, um senhor já velho, vizinho antigo chegou para mim e pediu:

__ Reza para eu aposentar que eu te dou um presente.

Rezei. Não era santo, e creio que os papéis daquele homem deviam estar arrumadinhos, pois ele se aposentou na outra semana. Foi me abraçar e trouxe o presente. Devia ser inverno, pois as chuvas haviam desaparecido e eu não podia estrear meu presente. Era um guarda-chuvas pequeno. Era lindo. Era um presente e tanto para uma criança. Isso era artigo de adultos. Eu abria e fechava o tal guarda-chuvas dentro do quarto esperando o tal dia para usa-lo. E a chuva nada. Eis que me ponho a rezar pra chover. No outro dia, incrível, chuviscou. Era uma gota aqui, outra lá na frente. Não molharia ninguém. Mas era uma chuva. Mesmo com o sol forte saí eu à rua, guarda-chuvas aberto para que todos vissem meu presente. É, esse negócio de reza começou a fazer sucesso. Durou pouco. Logo veio a escola, os afazeres, a TV branco e preto, e as rezas foram ficando de lado. Não havia mais milagres naquela rua.