A Família em Crise

Naquela manhã, senti mudanças na mamãe ao ir me chamar na cama, a sua voz parecia sem vida e o seu olhar era triste.

- Querida, não vamos ter um café-da-manhã como de costume.

- Mas, por quê?

Indaguei, enquanto se preparava para o banho.

O papai resolveu economizar, mas não se preocupe, temos muitas frutas frescas, são mais saudáveis e baratinhas la na feira.

Sentiu algo de estranho. Quando se mudam os hábitos alimentares, assim de forma abrupta, algo de estranho está no ar.

- Estão com medo de engordar, é isso?

Indaguei para a mãe, enquanto tomava um gole de suco de manga, com torrada.

- Estamos correndo do supermercado, na feira os produtos são mais baratos, precisamos, também, reaprender a nos alimentar. O dinheiro de um pacote de biscoito, compro duas dúzias de bananas.

- Mas, eu gosto de biscoitos, adoro.

- Vai ter que aprender a gostar de frutas.

-Ah, mãe...

-Não faça drama, quando puder, eu compro o seu predileto.

Pela primeira vez o papai não estava conosco à mesa de refeições, mamãe deu uma desculpa qualquer, mas, algo me preocupou.

- Como vamos para à escola?

Para minha surpresa, fomos para o ponto de ônibus. Estava cheio de gente. Demorou um pouco para chegar, estaria atrasada para a escola. Antes de subir pela porta da frente, vi o sufoco da mamãe no meio da multidão que se esmagava, atropelavam-se para subir no ônibus- não havia respeito, solidariedade, ou boa educação. Pobre mamãe.

Dentro do ônibus, sufoco dobrado. estava entupido gente, um desconforto desmedido, calor e aperto. Algumas pessoas ouviam músicas chatas alto no celular - uma chatice. Odiei andar de ônibus.

Indaguei-me:

O que estava acontecendo com a minha família? aprimeiro um café da manhã sem os meus biscoitos prediletos, depois, o papai saiu cedo demais, depois andar de ônibus para a escola.

mais coisas estavam por vir.

- Vamos mudar de casa, filhinha.

- Ah, mãe, adoro morar aqui, temos um jardim lindo, amo o meu quarto e brincar no quintal cheio de plantas.

Mudamos para uma casa menor. mamãe ficou dias procurando a casa, de preferência uma ficasse perto da minha minha nova escola, isso mesmo. Papai me tirou da escola particular e eu estava condeada a ser mais um aluno de escola pública.

- Economizamos no aluguel, sobra mais dinheiro para outras necessidades.

- Mas, mamãe, como o ônibus vai poder encontrar o papai para levá-lo para o trabalho?

Perguntando assim, vi que a mamãe silenciou, desconversou e se afastou com o papai para a cozinha. Eu fiquei com a Adalice ninando-n, a minha mais adorável boneca.

O meu quarto era tão pequeno, que os meus brinquedo se quer puderam sair das caixas. Fiquei muito triste.

Foi o dia mais trsite de minha vida. iria me afastar dos meus amiguinhos que conhecia desde o jardim de infância. No dia da despedida foi mais trsite ainda. A Aninha chorou muito, o Paulinho foi para o banheiro chorar escondido, dizem que homem não chora, bobagem, emoção é para todos. Até mesmo a Lulu, que não gostava muito de mim, quando eu ja estava de saída, após ser abraçada e beijada pelos meus professores e coordenadores, veio na minha direção correndo e me deu aquele abraço apertado. Uma lágrima escorreu pela minha face vermelha. Ela prometeu que iria me fazer uma visita em casa. Eu não queria, estava numa casa tão pequena, de fazer vergonha;não se teria, nem muito espaço para brincar de boneca, cozinha, esconde-esconde, essas coisas.

A casa pequena não tinha jardim. Dois quartos, um meu, outro do papai e da mamãe. Eu vivia triste, com saudades da outra casa. Mamãe tentava me acalentar, dobraram-se os números de beijos e abraços. Nunca mais tinha ouvido a buzina do ônibus vir buscar o papai para levá-lo á fábrica.

Naquela manhã fui esperta. Peuei o meu celular e pus para despertar bem cedo, bem cedinho. Queria acordar antes do papai, queria saber por quê a sua rotina tinha mudado tanto - não mais fazia a refeiçao conosco, o café da manhã. Eu o vi pegar algumas coisas embaladas e levar para o carro na garagem, cheirava bem, era coisa de comer. Estavam em vasilhames plásticos, limpos. Ele colocou tudo na mala do carro. Tinha também alguns butijões, não sei o que se teria dentro.

Aguardei quando ele tirou o carro da garagem e se foi. Montei na minha bicicleta e o seguiria. Desisti logo o papai se afastava muito, em velocidade, e seguia para muito longe. Logo o trânsito ficou perigoso. Eu estava cansada e perdida, comecei a chorar. Era uma agonia o trânsito, carros grande a minha volta, ônibus, buzinas, xingamentos.

Fiquei calma e pedindo informações, consegui voltar para casa. Escondi da mamãe essa aventura louca.

Pelo menos algo de bom aconteceu, livrei a mamãe de ter que pegar o infernal do ônibus, a escola ficava pertinho de minha casa, ia andando por cerca de 10 minutos,chegava, sem atrasos. A mamãe ficava em casa, na cozinha, fazendo aquelas coisas que o papai levava logo cedo no carro e o nosso almoço - agora, os produtos eram comprados na feira. A mamãe falava para o papai,com entusiasmo a respeito de poder economizar o seu dinheiro da passagem, quando me levava para a escola. Eu queria comprar alguns novos brinquedos, acho que não vai dar.

Naquele sábado, a mamãe me acordou mais cedo.

- Vamos ajudar o seu pai.

Mravilha, enfim, ia poder saber o que o papai estava fazendo. Nunca mais o ônibus da empresa buzinou. Ele acordava junto com o galo e saia sem tomar o café conosco.

Quando descemos do ônibus, naquele dia não estava tão cheio, nem foi um sufoco entrar - acho que os sábados algumas pessoas não trabalham. Demos de cara com uma passeata. As pessoas faziam um protesto contra o desemprego. carregavam bandeiras de sindicatos e de ordens de classe. Uma faixa dizia: " Abaixo o desemprego" , uma outra reclamava contra os juros altos. Em soro único, dizia aquela turba: " "Abaixo os encargos trabalhistas."

Era muita gente, parecia um carnaval. Eu e mamãe seguíamos, parecia que o papai estava por perto. Um homem discursava com um megafone, outros gritavam frases de protesto, a polícia acompanhava.

- Hoje o seu pai vai faturar alto.

Observou a mamãe, eufórica.

Então, vi o carro do papai estacionado numa praça. Ele vendia lanches na mala do nosso carro. Tinha de tudo um pouco,cachorro-quente, hamburguer na chapa, pão com queijo e presunto, pastéis, pão com ovo, e até bolos. Suco de manga, acerola, laranja e vários refrescos. Muita gente comprou naquele dia, foi um sufoco o atendimento, até eu ajudei. Foi engraçado, uma festa. O papai arrecadava o dinheiro e o colocava numa pochete na cintura, tinha tanto dinheiro.

Então, era isso. O papai estava desempregado, mas foi esperto. Logo providenciou um meio de vida para pagar as contas da família. A mamãe me falou que a empresa do papai foi uma das que foram atingidas pela crise mundial.

Estamos recuperando o nosso padrão de vida, papai ja tem muitos clientes, o carro fica estacionado entre muitas clínicas e escritórios, escolas e faculdades. Ja pedi a volta do meu biscoito predileto e do meu novo brinquedo. Quero também mudar para uma casa maior, com jardim e quintal e voltar para a minha escola, onde estudam os meus eternos amiguinhos do jardim de infância. A mamãe manda ter paciência, pois, ainda estamos começando para botar uma lanchonete nas proximidades. Enquanto isso, vamos levando a vida com graça e otimismo. Tem semana que o papai fatura mais do que o seu salário da fábrica.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 16/09/2012
Reeditado em 22/09/2012
Código do texto: T3884545
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