UM LOBO CALUNIADO

UM LOBO CALUNIADO

Bem pessoal, como todo mundo deve começar uma estória se apresentando, meu nome é Lobo. É isto mesmo: Lobo, só lobo, e já é de bom tamanho, pois para alguém que só tem um nome e não tem sobrenome sou bastante conhecido... Já ouviram falar do Lobo mau? É. Este, infelizmente sou eu... Explico:

Já fui acusado de comer crianças, comer velhotas e agora vou contar o que ocorreu quando dizem que eu comi “porquinhos trabalhadores e inocentes”. Pois bem.

Os tais “Porquinhos” são conhecidos como Cícero, Heitor e Prático, nomes bem garbosos que não deixam ver a má intenção destes indivíduos, que achando pouco o que fizeram comigo, ainda espalharam barbaridades a meu respeito.

Vamos por partes. Certo dia estava eu cuidando de minha vida e caçando como todo lobo que se presa faz, quando encontrei um destes cidadãos catando palhas em meio ao pantanal, aproximei-me e vi que ele estava todo sujo de lama. Quando o cumprimentei, ele tomou um susto danado. Saltou para trás e enfiou-se mais profundamente naquele lamaçal. Ri-me bastante, pois nada mais comum do que encontrar um porco sujo de lama, vocês concordam comigo... O porco sentiu-se ofendido com minha risada franca e perguntou o que eu queria.

- “Apenas cumprimentar o amigo e desejar um bom dia” – disse sem maiores delongas e já ia saindo quando ele disse: “Ri melhor quem ri por último...” Senti um calafrio e me senti ameaçado, mas pensando bem: o que um porco lambuzado de lama poderia fazer-me?

Continuei minha caçada e somente consegui uma lebre magra, que com certeza não iria saciar minha fome por muito tempo, mas fazer o que? Afinal não existem lobos gordos mesmo... Quando estava preparando-me para saborear minha caça escutei o som de madeira quebrando. Larguei minha lebre e fui me esgueirando para ver do que se tratava. Era outro porco que estava quebrando gravetos em meio ao espinheiro e às urtigas. Achei muito esquisito, pois nunca havia visto aqueles tipos por aquelas bandas. Aproximei-me o mais educadamente que é possível para um lobo e disse:

- “Bom dia amigo, posso ajudar em algo?” – O porco tomou um susto, mas um susto tão grande que pulou no meio dos espinhos e das urtigas sem nem pensar duas vezes, saiu em desabalada carreira. Do jeito que ele se coçava, com certeza as urtigas tinha feito um estrago daqueles. Mesmo correndo ouvi quando ele gritou: “Isso não vai ficar assim.” Pensei comigo: Claro que não iria ficar assim, iria inchar e poderia até dar febre. Fiquei muito preocupado com o porco e corri atrás dele para saber se poderia ajudá-lo de alguma forma... Mas não adiantou. Perdi-o de vista e voltei para o meu almoço. Ô porquinho rápido...

Outro dia encontrei outro tipo estranho: outro porco, mas desta vez não cheguei perto. Fiquei olhando de longe. Ele estava fuçando em um tremendo barreiro, o que não seria estranho para um porco, mas este porco estava fazendo tijolos. Imaginem: um porco fazendo tijolos! Fiquei intrigado e como intrigado fiquei ali observando por um bom tempo... Chegaram os dois outros porcos e cada um trazia um fardo diferente. Estava cada vez mais curioso, meu instinto canídeo falava mais alto... Nos próximos dias os três porcos realmente trabalharam: cada um fez uma casa. Um com capim (vale dizer uma porcaria de casa) o outro tentou fazer uma casa com gravetos (o que não ficou lá muita coisa) e o terceiro estava tentando construir uma casa de alvenaria, mas como porco é um bicho desajeitado por natureza, a casa não estava ficando lá muito elegante. Passaram uma semana nestas construções e todas as tardes, quando eu voltava de minha caçada, parava por trás das moitas para observar. Os caras tinham determinação, muito embora não pudessem ser confundidos com nenhum construtor. Assim no final de uma semana as três “casas” estavam prontas.

Quando os três visinhos se instalaram em minha área de caça achei por bem me apresentar e fazer amizade, afinal tínhamos começado com o pé esquerdo.

Fui até a primeira casa que era feita de capim e bati à porta, quando o porco me atendeu tomou um susto e bateu a porta tão forte, mas tão forte que sua choupana veio abaixo. Neste momento desabalou a correr e pedir socorro, não sei por que, e eu corri atrás dele para pedir explicações.Neste momento ele entrou na casa do segundo porco, aquela feita de gravetos. A corrida e a entrada do porco foram tão estabanadas que a segunda casa não resistiu ao abalroamento e veio abaixo (deu prá ver que não entendiam nada de construções). O desespero dos dois foi tremendo e correram para a terceira casa. Se já estava complicado entender alguma coisa, agora é que não entendia nada mesmo... Era muita maluquice e eu é que não iria atrás daqueles doidos...

Mas uma coisa continuava me encafifando: por que estavam com medo de mim? Fui de mansinho até a casa que estava de pé (aquela de alvenaria) e escutei por trás da porta:

-“O cão da fazenda está com um ajudante perigoso. Ele quase nos pegou se não fosse nossa rapidez (rapidez de porco? Me poupem!) agora estaríamos presos ou coisa pior... A duas semanas quando nós fugimos da fazenda encontrei ele no pântano e quase que fui pego.”

- “Cícero tem razão, neste mesmo dia ele quase me pegou no espinheiro, fui atacado por urtigas e passei dois dias me coçando...”

-“Cícero! Heitor! Vocês não estão exagerando? O cão da fazenda está velho e cansado e aquela vida de reprodutor não era o que nós queríamos... queríamos aventura e temos aventura! Agora, achar que o velho cão arranjou um ajudante... tenham santa paciência...”

Achei que era a hora de deixar tudo claro: não sou, nem nunca fui ajudante de cão nenhum. Era só o que me faltava. Decidi bater na porta do porco que parecia o chefe e esclarecer tudo.

Bati à porta e escutei de dentro que ninguém estava interessado em me ouvir e que eu deveria ir embora. Uma grosseria sem tamanho, coisa que não se faz com visinhos. Tornei a bater desta vez com mais força e disse que já sabia de tudo (queria dizer que havia escutado sua conferencia), houve uma algazarra dentro de casa. Barulho de panelas, móveis sendo arrastados. Olhei por uma fresta e vi que estavam empilhando móveis junto à porta. Decidi subir ao telhado e entrar pela chaminé (hoje sei que foi uma idéia de jerico, afinal reconheço que nunca tive papeis muito importantes nas estórias, portanto não pude desenvolver minha perspicácia). Queria explicar tintim por tintim que não estava perseguindo ninguém e coisa e tal, mas quando dei por mim tinha caído dentro de um imenso caldeirão com água, que os espertinhos haviam colocado embaixo da chaminé. Imaginem que os safados queriam me cozinhar! E quanto mais eu gritava que não tinha nada a ver com a tal fazenda, mais eles colocavam lenha no fogo e eu já começava a sentir o cheiro de lobo assando... Estava por um fio. Neste momento entrou casa adentro um cão velho acompanhado de uma matilha e no alvoroço derrubaram o panelão onde eu estava. Molhado e com muito medo fui confundido com os cães que levaram os porcos fujões para sua fazenda. O porco mais esperto chamava-se Prático, pelo menos foi assim que os outros o chamaram. Lógico que não fiquei para explicar nada, afinal mesmo sendo parentes distantes não somos muitos amigos: nós Lobos e os cães.

Agora vem a parte estranha: eu moro e sempre morei no mato, como poderia imaginar que aqueles três folgados iriam contar barbaridades a meu respeito na fazenda de onde haviam fugido. Alguém já viu um lobo assoprar? E com a força de derrubar paredes?...Onde já se viu lobo comer porco? Já viram o tamanho de um porco e o tamanho de um lobo? A gente só conseguiria pegar um destes (se fizessem parte de nosso cardápio) se estivéssemos em uma boa alcatéia. Mas um lobo sozinho e pacato como eu? A prova é que para levar os três para a tal fazenda foi preciso uma matilha de mais de 20 cães... Agora com a fama que me colocaram dificilmente serei protagonista de uma estória alegre. Fazer o que...

Barbalho
Enviado por Barbalho em 15/08/2013
Código do texto: T4434908
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