[Original] Ela me faz - Capítulo 14 - Parte 1

Capítulo 14 – Entre vômitos e verdades – Parte I

Um clarão junto de um calor típico do estado de São Paulo invadiu de forma que me fez acordar assustada e irritada.

- Bom dia, Rafaela! – Pisquei os olhos duas vezes para ter certeza de que eu não estava tendo um pesadelo com Patrícia abrindo a janela do meu quarto. Ela me fitou com um sorriso enorme. Como sempre, animadíssima e são apenas 8 horas da manhã.

- Patrícia, pelo o amor de Deus, quem deixou você entrar? – Me sentei na cama e enrolei o cabelo num coque.

- O rapaz bonito e alto com sotaque que eu tenho quase certeza ser do Paraná que abriu a porta. – Patrícia se sentou no canto da cama e mexeu nos longos cabelos loiros.

- É do Rio Grande do Sul, na verdade. – Respondi automaticamente. E sem perceber, dei motivos para ela tirar conclusões desnecessárias. Seu riso foi suave e doce. Eu revirei os olhos, mas acabei rindo também.

Patrícia é aquele tipo de irmã que se você passar com ela na rua perde totalmente o brilho, mesmo que você tenha algum brilho. Ela é dona de cabelos loiros agora ("misteriosamente") ondulados, no melhor estilo “queimado de praia”, tem uma altura boa até para ser modelo. Corpo bonito, nada fora do lugar e olhos azuis, herança da família da minha mãe. Me lembro de que quando éramos criança eu a admirava tanto que já cheguei a desejar ser ela. Até que cheguei na adolescência e meus pensamentos mudaram drasticamente. Assim como minha relação com ela.

- E então, o que a trouxe até minha casa? – Me levantei e segui para meu guarda-roupa.

- Hoje tem a festa de 18 anos da nossa prima Catarina. Ela pediu pra eu te convidar. – Patrícia deu de ombros. – Eu não entendi bem o convite, já que ela te odiava, mas como foi um pedido... Aqui estou eu.

- Sério que ela me convidou?

Talvez Catarina tenha amadurecido um pouco e finalmente entendido que eu nunca quis nada com o babaca que ela namora.

- Sim! O pai e a mãe vão pra festa também, seria legal se você fosse.

- É, faz tempo que eu não vou em casa. – Ela sorriu e balançou a cabeça, assentindo. – Que horas começa?

- 18h00. Vai ser na casa da tia mesmo.

- Beleza.

- Bom. – Patrícia respirou fundo. – Vou embora.

- Por que? – A minha pergunta a assustou. E admito que me assustei também. – Digo, você mal chegou. Pode tomar café comigo... Se você quiser, claro.

- Eu aceito o convite.

Afinal, tem hora que é importante deixar as mágoas do passado pra trás.

(...)

- Tá brincando que você tomou café com a sua irmã. – Iasmin me olhou incrédula. Ela não dormiu em casa, passou a noite no hotel com Emerson. O que já deixa claro que eles estão muito bem e obrigada. – E aí?

- Minha prima me convidou pra festa dela, a Catarina, você lembra?

- Claro. Lembro até de quando você me contou da briga com ela.

- Pois é. Vamos ver o que essa festa me proporcionará. E você vai comigo, viu?

Iasmin sorriu. Nos sentamos no sofá da sala. Estou tão acostumada com o fato de Lucas morar com a gente que me estranha esse silêncio.

- Eu jamais perderia isso. Posso levar o Emerson?

- Ah, mas ai eu vou segurar vela!

- Leve o Lucas. - Revirei os olhos. – Ele é boa companhia. – Ela deu de ombros, ignorando o meu olhar.

- Vou falar com ele.

- Falar o que com quem? – É só falar no diabo que ele aparece e ainda traz a tiracolo seu assessor. Os dois sentaram-se cada um em um braço do sofá. Eu prefiro nem me perguntar aonde eles estavam. – Vocês estavam falando de mim que eu sei.

- Rafaela queria te fazer um convite. – Iasmin ficou de pé e foi na direção de Emerson. E sim, ela o abraçou de maneira melosa.

- Rafaela quer me fazer um convite... – Ele repetiu teatralmente e se sentou onde Iasmin estava. – Fala, guria.

Eu senti todos os olhares da casa em mim e sem querer, corei, envergonhada.

- Vocês estão me deixando sem-graça!

- Ué, não estamos fazendo nada!! – Iasmin murmurou, rindo.

- Bah, vamos deixá-los a sós, Ias. – Emerson disse, segurando a mão dela e a levando para o andar de cima da casa. – Daí ela perde a timidez.

Eu esperei os dois sairem e olhei Lucas, que parecia estranhamente distraído. Até que de repente seu olhar encontrou o meu e ficamos nos olhando por um longo tempo.

- Eu até gosto dessa brincadeira de ver quem aguenta maior tempo olhando o outro, mas quero saber do convite. – Ele falou, rindo e desviando o olhar.

- É que vai ter uma festa de família. Eu queria saber se você quer ir comigo.

A expressão dele seria motivo de riso se eu não estivesse tão nervosa.

- Bah. Tu tá me convidando pra ir a uma festa contigo?

- Sim. Se você não quiser ir por causa da Olívia eu entendo e...

- Não! – Exclamou, rapidamente e então se aproximou de mim. E eu acabei estremecendo quando nossas mãos se tocaram. – A Olívia foi passar o final de semana na casa de uma tia... – Eu franzi o cenho. – A gente não anda muito bem também. Tipo tu e o Fernando.

- Fernando e eu terminamos.

- Olívia e eu estamos a um passo disso acontecer. – Ele sorriu de modo triste. – Ela é uma querida, de verdade, mas enfim... Eu aceito o convite, claro.

- Então tá bom. – Ficamos em silêncio novamente, até que Lucas deitou a cabeça em minhas pernas e me olhou marotamente. – Emerson conversou contigo sobre a Iasmin?

- Sim. Ele se acertou com ela e pelo o que me disse, vai terminar de vez com a Eveline.

- Espero que ele não a faça sofrer.

- Ele não vai não. Emerson só parece tonto, mas é um guri inteligente.

- Diferente de você...

- Por que?

- Tem jeito de tonto e é mesmo um tonto.

Ele riu e beliscou meu queixo. Eu bati em sua mão.

- Rafaela...

- Oi?

- E você e o Fernando? Acabou de vez?

- Sim. – Respirei fundo. Desde a última vez que conversamos, Fernando não me mandou nenhuma mensagem ou sequer ligou. Talvez seja melhor assim. – Acredito que sim. E você e a Olívia?

- Ah, estamos com uns problemas de casal. Daí ela disse que ia ficar esse final de semana longe pois precisava pensar.

- E você tem pensado também?

Eu mexi em seu cabelo meio loiro, meio castanho. Meio sei lá.

- Eu me sinto um cretino, pois a única coisa que consigo pensar é “preciso terminar com ela antes que eu a faça sofrer mais”.

- É isso que você realmente quer?

- Eu quero ficar contigo.

- Eu achei que já tinha feito você desistir de mim. – As minhas palavras não o intimidaram. Ao contrário, Lucas sorriu.

- Já devia ter desistido, mas acho que no final disso tudo vai valer a pena.

E antes que eu pudesse contra-atacar, Lucas se ergueu muito rápido para me beijar. Suas mãos foram para o meu pescoço, depois invadiram o meu cabelo, nossos corpos foram se ajeitando no sofá de maneira que ambos ficássemos confortáveis.

- Isso não está certo. – Eu murmurei, quando sua boca já se encontrava em meu pescoço.

- Por isso que é tão bom. – Ele respondeu, me olhando com um brilho no olhar que eu conhecia muito bem.

Eu amava esse brilho no olhar dele.

- RAFAELA!!! – Foi muito curto o tempo em que Nina entrou na sala de casa, eu empurrei Lucas no chão e me sentei no sofá, completamente sem ar e vermelha como um pimentão. Ela correu até o sofá e me abraçou desesperada. Meu primeiro impulso foi abraça-la também.

- Chama a Iasmin, rápido Lucas. – Pedi, e ele obedeceu, correndo pelas escadas muito rapidamente.

(...)

- Ele disse que não conseguia me ver como uma mulher, que eu seria pra sempre uma menina. E que não queria estragar a nossa amizade... Estúpido!

Estávamos em cinco na sala ouvindo o desabafo triste (e meio bêbado) de Nina. E pelo relato, ela finalmente se declarou pro Gabriel e a resposta, além de um não, a fez descobrir que ele está com sua melhor amiga. O interessante durante todo o momento, foi que Lucas se manteve num silêncio de que quem o conhece, sabe que não é dele. Seu olhar encontrou o meu e eu franzi o cenho. Ele deu de ombros e depois baixou a cabeça.

- E por que a Ingrid não te disse? – Ouvi Iasmin perguntar, mas não me atentei muito pois continuei encarando Lucas até fazê-lo se incomodar a ponto de sair da sala. E consegui.

E graças a Iasmin dando total e irrevogável atenção a Nina, eu pude segui-lo até a cozinha.

- Tu tá me encarando porque mesmo hein? – Ele perguntou, de costas para mim, encostando-se na pia.

- Você sabia da Ingrid e do Gabriel?

- Sabia.

- E por que não me disse?

Lucas me olhou com a expressão levemente chateada.

- Sei lá, Gabriel começou a ficar com ela porque a Ingrid pilhou muito. Parecia que ela sabia dos sentimentos da Nina por ele. Entende?

- Mas porque ela faria isso propositalmente?

- Bah, eu não sei... Vocês gurias são complicadas demais.

- Eu sei muito pouco dessa Ingrid, mas aquela cara de nojo que ela tem não me engana muito.

Lucas deu um sorriso malicioso, provavelmente pensando outra coisa da garota. Eu dei um tapa em seu ombro e ele me abraçou.

- Ela é bonita, inegavelmente bonita.

- Não acho.

- Pense como um homem, não como uma guria.

- Cala a boca.

- Tá com ciúmes?

- Eu? – Eu dei um impulso pra trás, me desviando de seus beijos, mas ele foi mais rápido e me prendeu novamente. - Lucas, por favor, eu desconheço tal palavra.

- Então se eu tentar alguma coisa com ela...

- E A OLÍVIA? – Murmurei, num tom desnecessariamente alto. Lucas riu, vitorioso. – Digo, você ainda está com ela.

O “ainda” saiu seco e não passou despercebido por ele.

- Eu já te disse sobre a Olívia...

- Sim, mas... – Uma ideia tão maluca quanto inusitada surgiu. Lucas reparou na mudança em minha expressão e se afastou. – Lucas, nós vamos juntar Nina e Gabriel.

- Como?

- Você vai dar em cima da Ingrid.

- O que?? Tu esqueceu que o Gabriel é meu amigo?

- Claro que não. – A adrenalina da ideia foi me invadindo de forma que comecei a falar sem parar. – Você não vai dar em cima dela descaradamente, só vai testa-la, ver o quanto ela é fiel ou se realmente gosta do Gabriel. E já até sei o que vou fazer... Catarina adora conhecer gente nova, vou levar a turma toda pra festa.

- Isso não vai dar certo.

- É claro que vai. Você não confia em mim? - Ele se sentou na cadeira e forçou um sorriso amarelo que dizia claramente que não confiava, mas não queria falar em voz alta. – Pensa pelo lado positivo então... Nossos amigos vão finalmente ficar juntos.

- Gabriel já me disse o que pensa sobre ficar com a Nina.

- Ele já beijou ela? Ele já tentou antes algo antes de ficar nessa conversinha velha de “não quero estragar a amizade”?

- Não sei Rafaela. – E deu de ombros. – Mas tu sabe que isso pode acontecer, não é?

- Eu acho que eles combinam até demais. Lucas, você já viu as pesquisas sobre casais que eram amigos? São os mais propensos a durarem até o fim da vida!!

Ele riu, achando graça das minhas palavras.

- Olha, pode me chamar do contra, mas acho essas pesquisas uma furada.

- Você vai me ajudar ou não?

Lucas se aproximou de mim sorrateiramente, e como sempre, carregando seu melhor sorriso canalha. Eu já nem relutei em abraça-lo. Sabe como é, quando não se pode contra...

- O que eu vou ganhar com essa parceria?

- A felicidade dos nossos amigos?

Minha resposta não o satisfez.

- Tu entendeu o que eu quis dizer.

- Lucas, porque você não consegue deixar de ser cretino só um pouquinho?

- Por que tu não admite que é louca por mim só um pouquinho?

- Porque eu não sou.

- Tem certeza?

Fechei os olhos quando senti sua respiração quente em meu rosto.

- Sim.

- Vou entender a sua reação física como algo totalmente indiferente, ok?

- Isso.

É quase curioso como meu corpo reage com ansiedade quando estou com Lucas. As mãos dele pararam em minha cintura e o beijo foi tão natural quanto respirar. E também com muita naturalidade fomos interrompidos por Emerson.

- Desculpa interromper o momento meus amigos, mas a guria lá tá cada vez mais descontrolada. Iasmin quer leva-la pra casa e tal. Vocês nos acompanham?

Não sei se é pelo fato de eu não ter muita intimidade com Emerson ou pelo sorriso cheio de desdém que ele me deu, mas fiquei realmente sem-graça com a presença dele ali. Lucas me abraçou e aproveitei para me esconder em seu peito.

- Vamos sim.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 09/06/2014
Reeditado em 26/06/2022
Código do texto: T4837828
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.