O PRIMEIRO DESAFIO DO BAM-BAM

O Bam-Bam, como eu chamo até hoje o Lucas (sobrinho-neto), estava apreensivo. Do alto dos seus seis anos de idade, sentia-se pressionado pela responsabilidade de participar de uma partida de futebol, representando a equipe do 1º de Maio Futebol Clube do Tatuapé, contra o Instituto Nossa Senhora Auxiliadora; o INSA do Belém. Naquele sábado, 20 de novembro de 1999, enquanto oitenta garotos corriam de um lado ao outro do ginásio de esportes do INSA, ele permanecia quieto. O Bam-Bam suava frio e percebiam-se sinais de sua extrema ansiedade e apreensão; inclusive porque estavam presentes umas quatrocentas pessoas, mais os avós, o pai, a irmã Marina e o tio João Carlos, além da tia Dirce e o tio Babá, de Taboão da Serra. Ele chegou-se a mim como que procurando refúgio, querendo falar alguma coisa. Qual filhote recém-saído do ninho; abraçou-me, rosto colado ao meu, como faz comigo desde que era um bebê; para gáudio meu e uma ponta de ciúmes de outros tios que, pelo que dizem, igualmente o adoram. Senti-o gélido. O coraçãozinho batia agitado, qual um beija-flor girando em torno de uma linda e açucarada flor. A taquicardia do pequeno coração do Bam-Bam, não era sem sentido, afinal eu também já tive seis anos de idade e sei o que isso significa. O Lucas, o nosso Bam-Bam, parecia não querer fazer parte daquela festa do colégio, mas era preciso participar. Confidenciou-me ao pé do ouvido, enquanto por sobre meus ombros observava o pai, ainda bastante jovem, que irradiava alegria pelo fato do filho participar de um jogo de futebol pela primeira vez fora do ambiente da escola de futebol em que treinava há seis meses:

-Tio Babá, eu estou com medo!

Tentei transmitir-lhe confiança, com um forte abraço, falando aos seus ouvidos que ele era bem melhor que muitos que estavam ali para jogar, e que ganhar não era tão importante assim e etc. Ele olhou-me nos olhos, desejei-lhe sorte: seus olhos estavam marejados, mesmo assim ele devolveu-me um sorriso, embora evidentemente não tivesse tanta confiança: eu, por um instante, achei que havia feito uma boa tentativa. Enquanto o Lucas abraçava o jovem pai, senti que este estava também emocionado. Ainda faltavam quinze minutos para a partida, ouviu-se um apito estridente: era o treinador do 1º de Maio convocando seus “atletas”, garotos entre cinco e sete anos de idade: - era a vez do Lucas jogar. Ele desceu os cinco lances de escada da pequena arquibancada do ginásio de esportes do INSA e dirigiu-se à quadra, para a preleção do treinador, junto com outros dez garotos. Também eu estava apreensivo! A avó Odete, notei, estava chorando de emoção, o avô Osvaldo e o tio João Carlos, pareciam hipnotizados, assim como a tia Dirce e a irmã Marina. São escolhidos os garotos que começariam o jogo; o Bam-Bam foi deixado no banco!!! Sua decepção era tanta que o treinador percebeu e lhe disse que ele estava sendo guardado como “arma secreta”. Isso o acalmou um pouco. O time do INSA começou fulminante: em menos de cinco minutos de jogo já batiam o 1º de Maio por dois a zero. Ele me olhava do banco de reservas; cada gol que o adversário marcava, ele fingia enfiar a cabeça entre os joelhos, tal a decepção! Num lance despretensioso, o árbitro marcou um pênalti pró 1º de Maio. Enquanto eu e o restante da claque do Bam-Bam vibramos com a possibilidade de “fazermos” um gol, notei que ele havia subido no banco de reservas, junto com os outros meninos. Vermelho de excitação, veias do pescoço à mostra, gritava vivas e me olhava de soslaio. O pênalti, porcamente batido, mas válido, foi festejado por nossa claque, além do Bam-Bam, que gritava e observava as nossas reações. Era gol do 1º de Maio! Senti uma dor no peito, queria vê-lo entrar no jogo, tomar seu lugar com garra e soltar-se um pouco, face à sua timidez, mesmo fora do campo de jogo. Há menos de um mês, eu havia treinado chutes com ele na quadra do apartamento onde mora. Ele chutava bastante forte para um menino de sua idade, no entanto sem nenhuma direção. Falei-lhe da importância de chutar com direção certa. Dei-lhe a dica para que num jogo de futebol, antes de bater na bola era necessário olhar onde estava o gol e o goleiro, só então chutar com toda a força. Fiquei alheio ao jogo por alguns instantes, fiquei contemplando aquele pequeno ser que nos emocionavam com sua meiguice, bondade e caráter, que já se anunciava desde há muito. Só voltei a mim, e ao jogo, com os gritos da torcida do INSA, que festejava o terceiro gol. Ele olhou-nos com tristeza. Parecia angustiado, ali no banco. A tia Dirce e a Marina contornaram a quadra e levaram-lhe uma garrafa de água mineral; ele sorveu um grande gole! Terminava assim o primeiro tempo. O treinador do 1º de Maio resolveu fazer algumas modificações e colocou o Bam-Bam para jogar. Embora ele goste de jogar na defesa, mal havia entrado, foi à frente e dividiu a bola com um garotinho, ganhou o lance e chutou sem olhar. A bola caprichosamente foi para fora, passando raspando o poste da trave. Enquanto ele voltava para guarnecer a zaga, me olhou e, como que pedindo desculpas, fez gesto que se esqueceu de olhar para o gol. Fiquei ansioso para que houvesse uma segunda chance para ele fazer um gol. Dois minutos depois durante um ataque do 1º de Maio, é marcada uma falta fora da área. O treinador chama o Bam-Bam no canto da quadra e passa suas ordens. Ficam enfileirados três jogadores para chutar a falta, o ele é o terceiro da fila. O juiz apita, os dois primeiros passam por cima da bola e o Bam-Bam, num chute espetacular, marca o segundo gol. Reinicia-se o jogo; agora perdem por três a dois. Ele agora é o “xerife” da zaga. Ninguém passa por ele, que alivia chutando para todos os lados. Durante cinco minutos ele, praticamente só, segura o time adversário! Num dado instante ele, cansado de ficar atrás, corre até a área adversária e durante um bate-rebate, dá um chute potente, que o pequeno goleiro do INSA, nem viu por onde passou. O Bam-Bam atravessou toda a quadra festejando seu segundo gol e o empate, sendo aclamado por toda a torcida, inclusive a adversária. Um minuto depois ele é sacado do time, para que o treinador coloque os restantes reservas para jogar. No final, o 1º de Maio ganhou por quatro a três. No restante do jogo, lá do banco de reservas, ele sorri para o tio Babá, garrafa de água na mão, peito arfante, confiante. Não tenho dúvidas que ele será sempre um vencedor.

.......................................................................................Post Fácio

PS: Este texto, como podem depreender, foi feito há quinze anos. Tenho orgulho do Lucas, o Bam-Bam! Ele está prestes a se formar em economia, trabalha num grande banco, gosta de esportes (atualmente o Tênis é o preferido) e de música (de vez em quando ele é batera de uma banda de garagem, que faz performances por ai afora). Este tio Babá (e babão) continua incentivando-o hoje em dia. Alguns personagens que assistiram esse evento aqui descrito com emoção, não mais estão entre nós; no entanto eu acertei no vaticínio: ele é um vencedor!

........................................................................................fim

Tio Babá
Enviado por Tio Babá em 12/11/2014
Reeditado em 07/04/2015
Código do texto: T5032498
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